Brincadeira de mau gosto
Fruto da bizarrice política é desmantelo da nação
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emMais do que o futebol, o bumbum de neném e a cabeça de um juiz, a política é uma caixinha de surpresas. A política imita a vida, na medida em que a maioria de todo ser pensante quer adentrá-la somente para levar vantagem. Pior é quando doidões, abestados, loucos varridos e capatazes de coturno se arvoram a assumir um dos postos iluminados destinados às excelências sem méritos e aos meritíssimos sem excelência. Os historiadores e a academia certamente estão preparando enciclopédias sobre essas figuras que passaram pelo poder brasileiro. Ainda bem que só passaram. Se não ficaram é porque não mereciam ou não tinham cacife para ficar.
Jair de todos os Messias foi o último a se apresentar como símbolo do movimento nacionalista acima de qualquer suspeita. Naufragou de jet ski em plena motociata da Avenida Paulista. Um dos contemporâneos da violência na política foi o barbudo Enéas Carneiro. Três vezes candidato à Presidência da República, polímata, um dos maiores ícones do conservadorismo nacionalista brasileiro e fundador do extinto Partido de Reedificação da Ordem Nacional (Prona), fosse vivo, o médico Enéas seria o vice ideal para uma futuuuuuuuura recandidatura de Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto.
Como registro, em 1989, ano de sua primeira candidatura presidencial, Enéas e seu engraçado bordão defendiam a construção da bomba atômica. “Não para jogar em alguém, mas para sermos respeitados”. Dono do maior número de votos já recebidos por um candidato a deputado federal, Enéas foi eleito em 2002 com 1,57 milhão de votos. Por conta do maldito coeficiente eleitoral, chegou à Câmara com mais cinco deputados. No fim da legislatura, a bancada do Enéas nada produziu, além de um único projeto que virou lei. Trata-se da inclusão do almirante Barroso, comandante militar da Guerra do Paraguai, no “Livro dos Heróis da Pátria”. Não precisa dizer que o povo brasileiro será eternamente grato ao deputado de oratória apressada pela lambança da lembrança.
A exemplo do que vimos de 2018 a 2002, Enéas não chegou à Presidência porque não era do ramo, não entendia nada de nada e, como o que virou mandatário entre 2018 e 2022, só queria rosetar. Como candidatos ao cargo máximo do Executivo, um e outro tiveram votações tão eloquentes como as do rinoceronte Cacareco e do macaco Tião. Ambos receberam milhões de votos somente por conta da ausência de animais mais confiáveis. A brincadeira de mau gosto se repetiu em 2018 e em 2022, quando foram eleitos numerosos aventureiros, entre eles oficiais generais e até um astronauta, cujo conteúdo político deve ser semelhante ao de um tocador de pandeiro que resolve pilotar uma nave espacial.
Da expectativa redundante de meia dúzia que nada fizeram à realidade zero da maioria, todos sumiram na poeira do deserto chamado Congresso Nacional. Essa é a política do Brasil, na qual até os supostamente mais sérios brincam com o que deveria ser levado a sério. O resultado não poderia ser outro: a mesmice, o atraso, a bizarrice, a corrupção e o desmantelo da nação. No dodecaedro político do país há algumas nuances interessantes e pitorescas. Os 12 pentágonos, as 30 arestas, os 20 vértices e as 12 faces pentagonais sempre se encontram, mas nunca pensam da mesma forma. Prova disso é o deputado federal de quatro mandatos consecutivos Tiririca.
Palhaço de origem e autor do bordão “Pior do que está não fica”, sua excelência continua devendo um projeto de lei ao país. Culpa do voto de protesto. Bom de voto e péssimo de proposta, pelo menos Tiririca nunca causou mal algum ao país e ao povo brasileiro. Bizarro mesmo foi a eleição de 2006, quando o falecido costureiro Clodovil Hernandes se elegeu com uma das maiores votações de São Paulo. Com seus 493,9 mil votos, ele levou para a Câmara o coronel da reserva da PM paulista Jairo Paes de Lira, policial conservador, considerado linha dura do Estado e, curiosamente, um dos maiores críticos do homossexualismo. Ou seja, Clodovil deu o dedal e Jairo Lira lhe enfiou a agulha. Como dedal lembra dedos, a pergunta que ecoa de Norte a Sul é de resposta cada vez mais difícil: O que será do Brasil depois de Lula lá?
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978