“Mães choram, descobri isso muito cedo. Mães trabalham, cuidam, zelam e também choram. ” (O choro da minha mãe e a música do riacho de Mário Baggio)
Ela sentou-se na cadeira do meu quarto e percebi que chorava. Silenciosa, ela chorava. Tinha chegado do trabalho direto para a cozinha para fazer o jantar e minha irmã, cochichando algo no seu ouvido, a fez entrar no meu quarto. Não brigou, nem parecia zangada. Só chorava. Tão pouco ligou para os meus pés sujos em cima da cama. Parecia querer me fazer companhia. “A polícia está me procurando” rompe o silêncio. “Precisamos cuidar desse machucado no pé e os arranhões no braço, vá tomar um banho” falou sem temer o que eu tinha dito, e nem queria saber o que tinha feito.
Eu estava foragido há três dias no mato junto com dois parceiros. Com fome e sede. A escuridão da noite era assombrosa. A polícia prendeu os caras e um cão farejador abocanhou meu pé, mas consegui fugir sem deixar rastro entrando num riacho. Foi uma noite dentro da água.
Consegui chegar em casa e me abrigar, mas eles me achariam com certeza.
A água quente do chuveiro abrandou a dor no pé que infeccionou, Latejava.
Minha mãe fez o curativo e só ouvi ela dizer que eu precisava de um médico. E voltou a chorar. Eu não sabia o que dizer a uma mãe que chora. Seria melhor que ela gritasse ou xingasse.
Ela comprou queijo pela manhã e teve um banquete de rei. Poderia ir dormir novamente se a polícia não invadisse a casa e me prendesse. Ainda pude ver os braços de minha mãe estendidos numa súplica e ela chorava.
Ao ser condenado naquela sala fria e o pé queimando de dor reparei que minha mãe estava com a boca aberta, pronta para soltar um grito de loba, mas nenhum som ecoou. Era só um grito mudo.
Agora estou numa cela que serve a oito homens, mas que tem mais de vinte. Há um revezamento para quem fica em pé ou sentado. Fui duas vezes à enfermaria para curativo no pé. E me deram uma injeção. Mas a infecção parecia não ceder.
Dentro da cela, fétida e abafada, eu não demonstrava que estava fraquejando de dor, pois tinha um sujeito que quase todos os dias matava um que estivesse mais vulnerável. Demoravam para tirar o corpo inerte da cela e nunca encontraram o objeto perfurante que ele usava nos assassinatos.
Comecei a ter febre e quando era minha vez de sentar a cabeça latejava muito. A comida quase sempre chegava já estragada para nós. Eu não tinha fome.
Foram poucos dias, eu acho. Penso que delirava. Até que uma brisa suave percorreu minha cintura e logo veio muito frio e antes que escorregasse ao chão pude ver o sangue que escorria na minha bermuda e as gotas que caiam no meu pé. Gotas de lágrimas de mãe.