Terça-feira, 10 de agosto, considerado pelos mais pessimistas como mês do desgosto, o dia acabou de bom gosto para todos que realmente querem passar o Brasil a limpo. O dia pode ter começado bem para o capitão Jair Messias Bolsonaro, mas a tarde e a noite foram tenebrosas, daquelas que ele e seus fanáticos apoiadores tentarão esquecer rapidamente. Difícil conseguir. Em resposta ao “passeio” dos singelos tanques fumacentos do chefe supremo das Forças Armadas, a Câmara enterrou de vez o insepulto cadáver do voto impresso, por meses a única bandeira do presidente da República. Em sessão paralela, o Senado derrubou uma norma (Lei de Segurança Nacional) que incomodava desde a ditadura militar.
Em outras palavras, se o desfile militar tinha por objetivo mostrar ao país e ao Congresso o tanque, o cabo e o soldado necessários para fechar o Supremo Tribunal Federal, o decorrer do dia mostrou que guerra alguma se ganha no grito. Após algumas tentativas frustradas de adiar a votação, os deputados governistas tiveram de engolir uma expressiva e curiosa derrota, na medida em que nem mesmo parlamentares da base acreditaram na tese de fraude na urna eletrônica. Ao contrário, deram uma clara demonstração de confiança no sistema brasileiro de votação eletrônica, apostaram na democracia e, de maneira enfática, disseram não aos tanques, às ameaças e às intimidações. A fumaça da democracia encobriu de vez o golpismo.
Com apoio direto do “companheiro” Arthur Lira (PP-AL), o Congresso Nacional se agigantou diante da pequenez do governo Bolsonaro. Apesar de toda pressão e da imaginária demonstração de força, Bolsonaro ficou longe dos votos necessários para mudar a Constituição e garantir por antecipação uma fraude que faz tempo a Justiça Eleitoral afastou das seções eleitorais. Consideradas como efeito das fake news disparadas pelos operadores financiados com dinheiro público, as duas derrotas comprovaram que os equívocos da República têm nome, sobrenome, CPF e CEP conhecidos. Claro que não podemos isentar Legislativo e Judiciário dessa conta.
No entanto, em se tratando do dia 10 de agosto, nada mais nefasto do que expor ao ridículo uma de nossas centenárias e mais respeitadas instituições. Entre tantos predicados, o presidente da República fez questão de mostrar ao Brasil e ao mundo o que há de pior na grife denominada Forças Armadas: a submissão e o incontido desejo de poder de alguns de seus integrantes. Como me disse certa vez um general que bem serviu ao governo, a instituição vive uma “crise de imagem”. Defensor intransigente do afastamento do Exército, Marinha e Aeronáutica do ambiente político-partidário, ele nunca duvidou do negativo uso político desses organismos. Indo além, afirmou que a extrema direita conseguiu um feito que a esquerda jamais tentou: desestabilizar as Forças Armadas.
Voltando ao Congresso e sua noite histórica, a maioria das excelências do Parlamento mandaram a PEC da chamada auditagem do voto definitivamente para a última gaveta do arquivo morto. O resumo da ópera foi escrito pelo deputado Arthur Lira, até segunda ordem um dos mais importantes parceiros do Palácio do Planalto. “O esticar das cordas passou de todos os limites”. Como era esperado até pelo auxiliar do substituto do mordomo do Palácio da Alvorada, a corda arrebentou exatamente do lado de quem a esticou desnecessariamente. O resultado negativo estava escrito desde a apresentação da emenda, assinada por Bia Kicis (PSL-DF), a deputada bolsonarista de uma nota só.
Sem Donald Trump para ensinar novos feitiços e com reduzido apoio para mobilizar esforços para desacreditar instituições e continuar sobressaltando o país, resta ao presidente aproveitar o tempo e concluir seu mandato com a altivez e a maturidade que se espera de um líder. Fora disso, o Brasil continuará sendo noticiado na imprensa mundial como piada. E de mau gosto. A repercussão internacional da patética cerimônia de exibição de veículos e armamentos na Esplanada dos Ministérios foi decisiva para a tomada de posição dos congressistas, que, como a maioria dos brasileiros, estão em fase de esgotamento com o rótulo de República de Bananas. Infelizmente, até segunda ordem, é como o mundo nos vê. Enquanto isso, com inflação e desemprego em alta, os índices de miséria atingem novo recorde no país. E agora, Jair?
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978