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Furacão varre para o centro polarização entre esquerda e extrema-direita

Menos devastador do que o Milton, mas com a mesma força de um trator impulsionado por ventos de até 250 km/h, o furacão Gilberto Kassab despejou chumbo grosso nos atrasados e egoístas quintais de Luiz Inácio e de Jair Bolsonaro, comandantes em chefe da esquerda e da extrema-direita. Os dois continuam vivos, mas terão de se reinventar, sob pena de, em 2026, serem rebaixados à categoria de vestibulandos na política. É fato que, por falta de trabalho, Lula perdeu mais do que ganhou nas eleições municipais. Também é fato que, embora venha se aproveitando da vitória da direita, Bolsonaro não ganhou coisa alguma. Os vitoriosos foram Kassab e os caciques do Centrão.

Ainda que sem o prestígio de eleições anteriores, é cedo para duvidar que Lula não chegará em condições de incomodar e de vencer em 2026. Jair Messias estará fora. No entanto, faltam argumentos mais sólidos para cravar sua desimportância no pleito em que seus parceiros mais próximos brigarão para disputar a primazia dos votos conservadores. Considerando aquela velha história de que os aliados de hoje são os inimigos de amanhã, queira ou não o mito, Ratinho Junior, Ronaldo Caiado, Tarcísio Freitas, Romeu Zema e, quem sabe o próprio Kassab, são presidenciáveis até debaixo d’água. Concorrerão. Ganhar é outra história.

É flórida, mas é o fisiologismo e a organização coletiva do Centrão o que nos resta para o futuro. De positivo, além da carraspana pública e em rede nacional de Silas Malafaia em Bolsonaro, a quem o pastor chamou de líder fraco, é a certeza de que o furacão conservador começou a varrer para bem longe do Brasil a idiota tese da polarização. Como um país plural não pode depender somente de suas siglas partidárias, o resultado das eleições municipais mostrou que há vida fora dos feudos políticos. Lula e Bolsonaro encolheram. Apesar de ambos estarem em baixa, as diferenças entre uma corrente e outra são cristalinas. A principal delas é que o líder da esquerda não é carta fora do baralho.

A segunda pode ser abreviada pelo termo lealdade. Lula está no PT desde a fundação do partido, em 1980. Instável e sem compromisso com nenhuma organização, Bolsonaro, em pouco mais de 30 anos como político, já passou por 12 legendas, a última delas o PL de Valdemar Costa Neto, cuja liderança ele agora questiona. A terceira é definitiva. Embora conhecido na direita pela fieira de apelidos nada republicanos, Lula da Silva é democrata e sempre procurou trabalhar pelo povo brasileiro. Pode não ter conseguido, mas inegavelmente tentou. Provavelmente tentará novamente. Ditador, retrógrado, inconfiável e distante do pensamento das lideranças partidárias vitoriosas, Jair Messias teve sua oportunidade e não aproveitou. Sequer tentou.

Condutor de um governo pífio e claudicante, ele sabe que, longe das urnas em 2026, dificilmente conseguirá recuperar o bastão e a coroa em 2030. Voltará à penumbra, onde sempre viveu e de onde não deveria ter saído. Quanto à vitória da direita, faço minhas as palavras de uma amiga dos antigamentes. Segundo ela, os brasileiros deixaram de usar a ideologia e as propostas igualitárias para escolher os políticos. Com ou sem polarização, hoje as causas principais são as frustrações e os sonhos pessoais, normalmente aliados ao que esse ou aquele candidato pode realizar em seus nomes. Por exemplo, alguém duvida de que os denominados imbrocháveis viram no Jair o protótipo do que eles nunca tiveram coragem de ser? Eu não.

Fazendo o jogo dos fanáticos, o mito virou promotor de fantasias eróticas, de xenofobias, homofobias, violências, ressentimentos, xingamentos a Deus e ao mundo, de esculachos às mulheres, pretos, pobres, gays e similares e, com apoio de falsos profetas, armou homens da lei e foras da lei. A ordem era humilhar geral. Por pouco não conseguiu. Queimou a língua e o rabo antes da última curva. Desconvocado para 2026, terá de se contentar com eventuais selfies ou likes nas publicações de Gilberto Kassab e dos demais líderes do centro e da direita, posições políticas das quais um dia ele se imaginou proprietário. Abaixo a polarização. Que todos disputem a Presidência da República em condições de igualdade. E que vença aquele que o povo avaliar como menos ruim.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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