Nhac
Gabriel, um guia inusitado no zoo de Brasília
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emOntem fui ao zoológico. O que me parecia ser passeio de criança, tornou-se um prazer nessa fase da vida, que não temo em dizer, agora que sou, e que sempre tive pavor. Pois é, cheguei à velhice ou, então, ela se apossou de mim, do meu corpo, da minha mente. Mas não reclamo, pois até gosto. Como um antigo colega do Banco do Brasil me dizia, ser velho é bom, pois podemos fazer coisas que os outros não podem, já que pareceria loucura.
Orlando Fonseca Vieira, 83 anos, paraibano de Patos, mas despejado em Brasília no final dos anos 1960, quando o país vivia o auge dos horrores da Ditadura Militar. Covarde que sempre fui, não exaltei minhas opiniões e, dessa forma, sobrevivi, apesar dos percalços inerentes à pobreza.
Fiz alguns contatos aqui, outros ali, que me ajudaram a conseguir um cargo de motorista em repartição. A vida melhorou, casei, tive filhos, netos e enviuvei. Hoje desfruto de certo conforto, apesar das dores nas costas e nos joelhos. Coisas da idade, que devem me acompanhar até o último suspiro.
Pois é, ontem fui ao zoológico. É um local amplo, onde dá para fazer uma boa caminhada. Vi pela primeira vez um rinoceronte. Quer dizer, já vi vários rinocerontes, mas todos pela televisão. Vários? Não sei exatamente se foram vários, pois, infelizmente, esses animais gigantescos estão em extinção.
Rinoceronte-branco, conforme estava indicado numa placa. Por sorte, um menino, o Gabriel, de dez anos, me explicou que também existe o rinoceronte-negro. Esperto como ele só, ainda me disse que há uma terceira espécie, o rinoceronte-indiano, que vive na Índia e no Nepal.
Após as devidas explicações, caminhei mais um pouco, pois estava querendo ver o leão. Procurei e nada, até que resolvi perguntar para um funcionário do zoo. Entretanto, antes que isso acontecesse, eis que o meu amigo surgiu do nada.
— Oi de novo!
— Oi, Gabriel! Há quanto tempo!
— Como assim? A gente acabou de se ver bem ali.
— É verdade.
— O que vamos ver agora?
— Estou procurando pelo leão.
— O leão?
— Sim.
— Não soube?
— O quê?
— É que o leão morreu.
— Nossa, que triste.
— Pois é. Sabe como foi?
— Não.
— O tigre estava com fome e… Nhac. Comeu o leão.
Devo ter feito a maior cara de espanto, pois o garoto ficou me encarando e, em seguida, prosseguimos a conversa.
— Já que não tem mais leão, que tal vermos o tigre?
— Não podemos.
— Ué, por quê?
— Não soube?
— O quê?
— O tigre morreu.
— Ah, não! Que triste, Gabriel!
— Pois é. Sabe como foi?
— Não.
— As onças estavam com fome e… Nhac! Comeram o tigre.
Antes de eu fazer expressão de perplexidade, percebi um leve sorriso no moleque, que, não demorou, caiu na gargalhada. Para não ficar com cara de bobo, também ri.
— É brincadeira, seu Orlando.
— Mas é uma boa história, meu amigo.
— Mas o leão e o tigre morreram mesmo, tá?
— Sério?
— É que eles já estavam bem velhinhos que nem o senhor. Ah, mas as onças estão ali. Elas são lindas. Quer ver?
Acompanhei meu companheiro e fiquei maravilhado com as onças-pintadas. Dessa vez, ele não havia mentido. As duas são mesmo lindas!
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