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Gal, setentona, vai cantar até virar ‘uma velha coroca’

Foto: Thiago Queiroz/EstadãoConteúdo

Gal Costa senta-se no sofá. Iniciaria ali, naquela casa nos Jardins, em São Paulo, mais um dia de entrevistas sobre seu novo trabalho. O porte da cantora é elegante, de diva. De repente, Gal está descalça, muito confortável sem seus sapatos. Eis, então, que surge naquela cena a imagem da menina Maria da Graça – seu nome de batismo. Será que Gal habita a pele de Maria da Graça ou Maria da Graça habita a pele de Gal? Decerto, as duas coisas.

A Pele do Futuro, o novo disco de Gal – disponível a partir desta sexta, 28, nos formatos físico e digital –, diz muito sobre essa mulher, uma das grandes cantoras da música brasileira e também a garota tropicalista nascida na Bahia. Traz seu passado e seu futuro. “Vejo (esse nome do álbum) como um olhar para frente, mas também para trás, para tudo o que foi vivido”, explica Gal, que está completando 73 anos. “Tem muito a ver com o tempo. Vou fazer muitos discos ainda, até ser velha coroca”, diverte-se.

De fato, a fase de sua carreira pós-disco Recanto, de 2011, produzido por Caetano Veloso, assinala fortemente sua inquietação artística. Fase essa pavimentada ainda pelos ótimos álbuns Estratosférica, com produção de Kassin e Moreno Veloso (2015), e agora A Pele do Futuro, sob a chancela do produtor Pupillo e direção artística de Marcus Preto. Desta vez, Gal queria impregnar o trabalho com a atmosfera dos anos 1970. “Sempre tive vontade de fazer música dançante, para discoteca, dance music. Então, meu filho, que adora as músicas dos anos 70, entrou no meu quarto com Gloria Gaynor cantando I Will Survive, e disse: ‘Mamãe, duvido que você conheça’. Falei que conhecia. A geração dele está ouvindo essa música e me deu um estalo”, lembra ela. Seu filho, Gabriel, tinha 12 anos na época – ele chegou à sua vida quando tinha pouco mais de 1 ano. Hoje, está com 13.

Tudo começou a se desenhar quando Gal pensou em chamar a cantora e compositora sertaneja Marília Mendonça para o que seria seu novo disco. Gal imaginava uma sofrência em dance music. “Eu não a conhecia pessoalmente, mas acho que ela é uma cantora, uma compositora incrível”, elogia. Dela, Gal escolheu Cuidando de Longe, que a jovem sertaneja compôs com seus parceiros. “Gravei do jeito que eu queria, com o arranjo que a gente imaginou, e ela veio e pôs a voz”, conta Gal. Nas redes, houve quem chiasse com esse encontro musical. “Muita gente apoiou, muita gente reclamou. Muita gente falando: você não precisa disso. Sabe essas coisas de ódio que a internet destila? Isso é horrível. Nós somos duas mulheres que fazemos música. O público dela é dela, o meu é o meu”, defende. “Na música, a gente tem de ser democrático, ainda mais neste momento. Tem música boa em todos os cantos. A gente não pode ser elitista nem radical.”

Na mesma frequência de Cuidando de Longe, tem Sublime, composição arrebatadora de Dani Black, que abre o disco e, por tabela, o longo bloco com temas de amor do disco. O amor esperado, conquistado ou que foi perdido. Desse bloco, fazem parte também Vida Que Segue, de Hyldon, Puro Sangue (Libelo do Perdão), de Guilherme Arantes, Realmente Lindo, de Tim Bernardes (que fez um belo e triste disco solo, mas que queria escrever a alegria quando pensou em Gal) e Dentro da Lei, de Djavan, entre outras. Do amigo-irmão Gilberto Gil, recebeu a filosófica Viagem Passageira, e um dos versos da canção inspirou o título do disco. Aliás, há 25 anos, Gal não gravava uma música de Djavan nem de Gil.

O álbum promoveu outro reencontro, bastante esperado, das vozes de Gal e Maria Bethânia. As duas cantam juntas em Minha Mãe, de César Lacerda e Jorge Mautner. Mautner pensou nas mães de ambas para compô-la. E a gravação da canção pôs em xeque a história de que Gal e Bethânia estariam brigadas há anos. Gal desmente. E justifica a distância das duas a uma questão geográfica. “A primeira de nós quatro do Doces Bárbaros a fazer sucesso foi Bethânia, logo em seguida Gil e Caetano e eu fui a última. Desde que comecei a fazer sucesso, as pessoas fazem intriga entre nós duas, dizem que a gente brigou. Essa é uma história que a gente conhece e não leva nem a sério, porque não tem esse negócio de brigar. Me poupe.”

Mãe, menina, mulher, figura libertária desde sempre, Gal fala também da união das mulheres nas redes sociais. Ela conta que aderiu à hashtag #EleNão, em oposição ao candidato a presidente Jair Bolsonaro. “É por causa da maneira como ele trata as mulheres, os gays, os negros”, diz. “É uma atitude política.”

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