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Galinho tem história, mas cada enredo tem sua lição

O Galinho tem história, e parte dela está em suas redes sociais. Faço, aqui, um complemento. O Bloco contava, no seu início, em 1992, com o apoio e a simpatia dos moradores, mais especificamente da SQS 203 e 204, onde se concentrava, com uma cláusula pétrea de só tocar frevo. Era um carnaval despretensioso, alegre e contagiante.

Mas, o número de foliões foi aumentando, o trajeto pela L1, entre as quadras 200 e 400 Sul, foi se ampliando e, quando alcançou 2 mil pessoas, passou a causar sérios transtornos ao trânsito e a gerar muitas reclamações dos moradores para que se buscasse outro local.

Seguidas solicitações de lideranças comunitárias a cada ano culminaram numa representação ao MPDFT, que gerou um TAC, em 2008, quando o Galinho já atraía 10 mil pessoas.

Na verdade, os foliões amantes do frevo não eram muito mais que os 2 mil que seguiam o trio elétrico. As outras 20, 30, 40 mil, e cada vez mais pessoas, bem jovens, ficavam na área verde da SQS 202 ou debaixo dos pilotis dos seus edifícios, pouco se importando com o Galinho, e mais interessadas nas liberdades que o clima do carnaval proporcionava, tendo como álibi a crença que seus pais tinham naquele “Carnaval Família” que só existia nas suas lembranças.

O máximo que o Galinho aceitou, fazendo-se de vítima, foi se concentrar no Setor de Autarquias, ponto de saída e chegada, mas mantendo um trajeto margeando as quadras SQS 402 e 203 e circundando a SQS 202.

Com a pretensão de sempre crescer mais e mais, o Galinho atraía a juventude dizendo-se “Carnaval Família” e passando a tocar rock depois que voltava ao local de concentração.

A partir de 2016 o Detran passou a abrir passagens de trânsito pelo gramado, para os carros dos moradores e qualquer outro serviço, como a ambulância da SAMU.

No seu penúltimo desfile, em 2017, o Galinho chegou a anunciar que alcançara 80 mil foliões, e que chegaria a 100 mil no ano seguinte. A SQS 202 ficou literalmente sitiada.

Mas, em 2018, o Baby Doll de Nylon arrastou a multidão para si num local muito mais seguro e aceito pelos foliões, em frente à Torre de TV, de onde o som podia se propagar com muito mais qualidade.

Mesmo assim, os moradores da SQS 202 tiveram novamente sua quadra ocupada por 40 mil foliões e, como sempre, foram obrigados a aceitar de tudo, inclusive vandalismo. Com as recomendações do MPDFT, o Conselho Tutelar pôde testemunhar adolescentes alcoolizados e assediados. Foi a gota d’água.

Em 2019, sendo obrigado a restringir seu trajeto pelo Eixo L, e alegando baixo financiamento, o Galinho não desfilou. Na verdade, o crescente conflito com a comunidade local afastara os financiadores.

Agora, em 2023, depois da pandemia, quando poderia apostar na saudade de seus foliões e atraí-los para um novo local, e celebrar a alegria dos primeiros tempos, o Galinho amarga o dissabor de só contar com verba pública. Alegando perseguição pelo fato de o GDF restringir seu trajeto, o Galinho desistiu de desfilar pela segunda vez. Mas, enquanto insistir no confronto, vai afastar patrocinadores.

De tudo isso fica uma lição importante: a área residencial não é apropriada para o carnaval de rua da forma como ele se tornou em Brasília, com a presença de um número imprevisível de foliões.

Outros blocos carnavalescos que surgiram com o apoio de moradores de uma quadra, também na Asa Norte, tiveram a mesma forma de evolução, até se transformarem em negócio.

Que esse enredo sirva para o entendimento de que ninguém quer declarar guerra ao Carnaval. O que se quer é harmonia, bom senso e noção do que é uma verdadeira diversão popular, e do seu lugar apropriado conforme o seu tamanho e impacto.

Que fique a cargo de cada quadra residencial o Carnaval que quiser fazer, mas sem divulgação na mídia e sem atração de pessoas estranhas. Só assim se poderá dizer que se trata de um Carnaval Família, um Carnaval Comunitário, de gente que se conhece e se respeita.

*Engenheiro, ex-presidente do Conselho Comunitário da Asa Sul

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