Segundo o espevitado Maquiavel, os fins justificam os meios. Portanto, perfunctoriamente, saibamos todos que vale muito a pena tirar o toba do sofá e viver abundantemente. Fora o IPVA, IPTU, Imposto de Renda, INSS, ICMS, IPI e o IVA, a caminhada da vida é de graça. A exemplo da genitália masculina, ela se encolhe ou se expande na mesma proporção do apetite. Tenha fome e coma bastante. O melhor de tudo são os movimentos da existência. Ou seja, mesmo quando estamos parados, algo sempre está se mexendo ao nosso redor. É só procurar que a gente acha. Às vezes, acham a gente primeiro. Então, todo cuidado é pouco.
Menino traquina das ruas da Florença renascentista, Nicolau Maquiavel era um frasista de primeira, segunda e de terceira. Depois dos fins e dos meios, ele escreveu várias. Para mim, uma delas é definitiva: “Tudo se degenera, se sucede e se repete fatalmente”. Menos a mesma vida. Por isso, prefiro a tese de que a vida é de dentro para fora. Quando mudamos por dentro, a vida muda por fora. Está aí a explicação para o crescimento da dupla ou tripla personalidade sexual no ser humano.
São os chamados ternários, isto é, podem ser o recôncavo, o convexo e até o reconvexo. A escolha é de cada um. E fico com a pureza da poesia de Guimarães Rosa, cuja sugestão é “Viver é um rasgar-se e remendar-se”. Aproveitemos antes que encontremos a famosa especiaria ardida que deu origem àquele ditado quase fúnebre: “Pimenta na hemorróida do tipo botão dos outros é refresco”. Antes que alguém insista, no meu nunca mais. Quando posso, sigo a retórica de Wilson Simonal regendo a plateia no Maracanãzinho: “No champion! No máximo, um pouco de cebolinha, salpicadas com coentro”.
Formado em tricoterapia, com mestrado em sacanoterapia, vez por outra me arrisco na publicioterapia. A última peça produzida para a população do longínquo subúrbio carioca de Bangu Citi serve de alerta rápido para a parentada, além de ser de fácil entendimento para quem já morreu: ‘Abra os olhos e volte a andar antes que sua sobrinha o leve de cadeira de rodas para fazer um empréstimo bancário’. De tão simples, o texto deve incomodar inclusive os motoristas de aplicativo que, a partir de agora, vão prestar atenção se a cabeça do morto está para cima ou para baixo.
Sorte nossa que até Deus tem um inferno. É o seu amor pelos brasileiros. Não fosse a paixão divina, estaríamos iguais às batatinhas que nascem e se esparramam pelo chão. O ditado está errado (o correto é Batatinha quando nasce espalha a rama pelo chão), mas o que fazer diante dos inusitados da vida. Um deles ocorreu há duas ou três semanas em pleno Maracanã, durante a dura peleja do Flamengo contra o simpático Amazonas. Como se sentisse o cheiro dos bostas em campo, um gambá resolveu adentrar o gramado somente para chamar a atenção dos camaradas fantasiados de vermelho e preto.
Não adiantou muito, pois logo o juiz chamou a juíza de vídeo para retirar o singelo bichinho. “Como fazer?”, indagou a árbitra de fora. “Esconda-o na calcinha”, retrucou o árbitro de dentro. “Mas e o cheiro?”, reperguntou a enlouquecida magistrada da pelota. Segurando uma das bolas, o senhor do apito foi rápido: “O gambá que se vire”. Coitada! Ainda não consegui saber quem matou quem. O que sei é o que gambá ainda vive. Por causa de um gambá, acabei perdendo o fio da vida. Recuperarei em outra oportunidade. Por enquanto, só posso dizer que a vida é sempre um dia após o outro, com uma noite consoladora no meio, daquelas em que, após mais uma brochada, a gente acorda de madrugada para escrever aquela frase que ficou presa na cabeça: Até que a falta de prazer nos separe.
*Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras