Estavam os dois amigos bebendo em um tradicional bar da cidade, numa tarde de sábado ensolarada e quente. Eventualmente sentava à mesa algum amigo, conversava um pouco, saía, e assim as horas passavam.
Era um programa rotineiro, o que não significa que fosse entediante, ao contrário. Afinal, à medida que o teor alcoólico aumentava, sempre havia a possibilidade de surgirem novas emoções, condicionadas à disposição ou ao humor dos dois.
E foi o que aconteceu naquele dia. A tarde já estava avançada, o nível de embriaguez idem, os assuntos sérios já tinham acabado há muito tempo, enfim, o risco de algum curto-circuito aumentava perigosamente a cada nova rodada de bebida. Conversa vai, conversa vem e, em uma das inúmeras vezes em que o garçom foi chamado à mesa para servi-los, um dos amigos, logicamente o mais “animado”, chamou sua atenção acerca de alguma coisa que o havia desagradado.
Claro que o tom usado não foi nada gentil. O garçom, no final da longa jornada de trabalho, cansado e impaciente com o jeito nada calmo e já conhecido do cliente e sentindo-se injustiçado, alterou a voz, o que foi o bastante para desencadear uma reação agressiva do frequentador “enrosco”.
Pronto. A confusão estava armada. Começou o empurra-empurra de cadeiras, o cliente mais exaltado se levantando e o outro tentando segurá-lo, o garçom se aprumando para reagir aos ataques físicos que aparentemente não tardariam… enfim, o ambiente bélico estava incontrolável.
O amigo mais calmo e já acostumado aos arroubos de valentia do parceiro chegou a oferecer dinheiro ao garçom para dar fim à briga. Em vão. Este, indignado e raivoso, nem se deu ao trabalho de considerar a proposta.
Estava pronto para o que desse e viesse. Mesmo que isso causasse sua demissão. Era uma questão de honra. Se fosse a primeira vez, tudo bem.
Mas não, já estava cansado de ser tratado daquele jeito. Todos os sábados a mesma coisa.
Porém, após vários minutos de confusão, com direito a aplausos e gritaria de outros frequentadores, ironicamente, a briga terminou da maneira mais inusitada possível. Num dos rompantes verbais do brigão, ao se preparar com mais ênfase para proferir seus infindáveis impropérios, eis que, inesperadamente, algo pulou de sua boca e foi parar sabe-se lá onde. Ele, mais do que depressa, pôs a mão na boca para escondê-la e gritou, tão alto quanto sua vergonha permitiu: “Meus caninos!”
Resultado: o amigo, instantaneamente lúcido e solidário com a situação de extrema fragilidade e exposição que havia se instalado, não pestanejou: partiu com carga total para cima do garçom, oferecendo-lhe o triplo do que havia oferecido para acabar com a briga, dessa vez para procurar os caninos do coitado do amigo, já sentado numa das poucas cadeiras intactas, prostrado e derrotado, não pelo garçom, mas pelos próprios dentes. Ou seja, estava há tempos dormindo com o inimigo, na sua santa inocência.
Enfim, depois de muita procura, durante a qual o amigo fiel obrigou-se a, solidariamente, ficar de quatro por vários e vários minutos, tentando em vão disfarçar o constrangimento e, o pior, à mercê dos olhares curiosos e dos gracejos indiscretos dos outros clientes, eis que, finalmente, os caninos foram encontrados. E por quem? Ninguém mais, ninguém menos do que o garçom! Precisava ser logo ele? Tinha que sofrer mais essa humilhação? O destino precisava ser mais irônico?
Bem, caninos encontrados, pagamento efetuado (merecidamente, claro), os dois amigos, assolados pela situação vexatória que aquele fim de tarde de sábado lhes proporcionou, foram embora, cada um para sua casa, tratar da ressaca que estava por vir. Mais moral do que física, diga-se de passagem.
Restava, para o sábado seguinte, encontrar outro bar para beber. Aquele de sempre ficaria suspenso por um bom tempo. Justificadamente.