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Palavras estranhas

Gaúchos criam tudo, sem tropeçar no vocabulário

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Irene Araújo

Sejam bobagens, sejam bobices, todos nós falamos de vez em quando ou, como dizia o Argolo, o vizinho de todos no tradicional bairro Menino Deus, na linda Porto Alegre: “Ninguém está imune a percalços da língua”. Estorvos ou embaraços à parte, Clotilde não poupava insultos quando alguém lhe pisava o calo. Amiga de poucos, inimiga da maior parte, a mulher sempre estava a postos para criticar a menor das falhas.

Nesse mundo chamado Menino Deus, obviamente, moravam milhares de outros seres humanos, tanto os bípedes, como os que cismam em perambular por aí de quatro, como cachorros e gatos. No entanto, deixemos de lado a maior parte dessas criaturas e, por ora, vamos incluir mais dois ou três, pois, do contrário, a história pode ficar mais comprida do que a praia do Cassino. Acordo firmado, acrescento a Otília, o poodle Teteco e o velho Inocêncio, homem de grande coração, no sentido figurado, haja vista, até onde se sabe, não era portador de cardiomiopatia hipertrófica.

Foi numa segunda-feira, mas bem que poderia ter acontecido em qualquer outro dia da semana. Mas vamos manter como ouvi, até mesmo para dar aquele desconto no mau-humor da Clotilde, que odiava acordar cedo para ir trabalhar. Segunda-feira, sim, senhor! Ou senhora!

Pois bem, lá estava a Otília passeando com o Teteco. Mulher das mais prevenidas, carregava uma boa quantidade de saquinhos para catar os dejetos, que, por ventura, o cachorro depositasse pelo caminho. Quem sempre estava de olho na Otília era justamente o Inocêncio, que, assim como a maior parte dos moradores do Menino Deus, não era bem-visto pela Clotilde.

É verdade que há coincidências maiores que aquela que aconteceu, que poderia ser considerada apenas um desses tantos casos fortuitos. Se aconteceu por acaso, ninguém sabe, mas parece que não teria sido planejado por aqueles quatro, ou melhor, cinco, já que o Argolo estava de prosa com o Inocêncio. Para não restar dúvida, eis que todos os presentes eram Otília, Teteco, Inocêncio, Argolo e Clotilde.

Todos estavam diante do sinal, ou melhor, sinaleira, haja vista tal causo ter se passado por aqui no Rio Grande do Sul. Enquanto o verde fazia com que os veículos impedissem a travessia dos pedestres, Inocêncio, apaixonado que estava, puxou conversa com a Otília. Por sua vez, Argolo acompanhava com bom olhos o amigo e a tutora do Teteco. Já Clotilde a tudo torcia os lábios enquanto mantinha as orelhas em riste.

– Que belo cusco!

– Ah, obrigada!

– Igual ao cachorro da minha guria, só que de outra raça.

– Deve ser muito fofo também. Qual é a raça?

– Ah, é um guaipeca.

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