Mais triste do que a tragédia climática que atingiu em cheio o Estado do Rio Grande do Sul e a todos gaúchos, é a certeza de que Porto Alegre e todas as cidades devastadas pelas cheias dos rios locais jamais serão as mesmas. Elas não são mais iguais àquelas que foram um dia. Entretanto, certamente terão espaços, pessoas, clima e astral ainda mais especiais. Boa parte das memórias afetivas estão nos entulhos. Todavia, a força, a fé e a coragem demonstradas pelo povo gaúcho nos piores momentos da força das águas são a prova de que, mesmo se achando injustiçados e infelizes, eles confiaram sem duvidar em alguém que não conheciam.
Na melhor das hipóteses, quase toda infraestrutura estadual terá de ser reconstruída. Além do alto custo, cerca de R$ 19 bilhões, há o valor sentimental de servir de exemplo para os outros. Foi a necessidade de novamente triunfar como ser humano que levou a população do Rio Grande do Sul a entender que, independentemente dos maus momentos, quando não restava quase nada do que empreenderam como cidadãos e cidadãs, restou a vontade de viver. O desejo de continuar útil como pessoa acabou sendo o combustível para manter a todos de pé.
Ao longo dos minutos, das horas, dias e semanas que não passavam, vi rostos tristes, preocupados, pesarosos com a desgraça, serenos, surpresos e até risonhos. O que não vi foram semblantes intolerantes, bairristas, divisionistas, inimigos, lulistas ou bolsonaristas. Eram apenas homens, mulheres e crianças, todos gaúchos e brasileiros convictos de que, ao contrário do Estado, da cidade e do bairro submersos, eles não têm o que lamentar, o que chorar, o que sofrer. Também não devem se culpar, pois a desdita de Deus sempre nos alcança em momentos de maior fragilidade.
Graças a Ele, ficaram a vida, o amor do próximo, o amor ao próximo e, sobretudo, a confiança de que dias melhores virão. É a isso que os irmãos do Sul devem se apegar. Que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes. E, quando estiverem exaustos, mas sorridentes, lembrem-se de que nada mais importante do que o amor que vem de cima para recomeçar. Ainda resta muito tempo para que esse recomeço frutifique e transforme o Rio Grande do Sul no Rio Ainda Maior do Sul. Que a sua, a minha, a nossa Porto Alegre se rejuvenesça e, quem sabe, vire uma Porto Muito Mais Feliz.
Parafraseando o poeta Vinícius de Moraes, tudo acontece na medida exata para que, algumas vezes, nos interpelemos a respeito de nossas próprias certezas. Se formos honestos na avaliação, saberemos que, mais importante do que se sentir demasiadamente seguros, é controlar a sanidade, a dor, o pavor e o fervor. Vocês souberam. Apesar de abrigados e perdidos entre entulhos e em um mar de dúvidas, tiveram tempo e vontade de ajudar os mais sofridos. Apesar de mergulhados em lágrimas, os gaúchos afagaram gatos, resgataram cachorros e, com a ajuda imparcial de um exército de bombeiros, policiais e voluntários, salvaram um cavalo da morte certa.
Pensem nisso, sejam práticos e não se esqueçam de gritar diuturnamente ao mundo que o Rio Grande do Sul é de vocês. Ergam-se triunfantes e, nos futuros cantos matinais, acordarão e se sentirão bem por quase nada. Na verdade, por tudo que viveram, por tudo que passaram, por tudo que representam para mim, para o Brasil, para o Planeta Terra. Um dia, quando partirem para o plano astral, olhem para trás e digam sem qualquer preocupação com o exibicionismo: por mais minúscula que seja, permanecerei eternamente como uma semente viva do meu Rio Grande do Sul. O que desejo é que os gaúchos do Brasil se sintam orgulhosos do que fizeram pelo Rio Grande do Sul de todos os brasileiros.
*Armando Cardoso é presidente do Conselho Editorial de Notibras