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General vai separar mentiras das verdades da urna eletrônica

Um sábio ditado árabe diz que, apesar de os cães ladrarem, a caravana segue seu caminho. Em outras palavras, não importa a suposta ferocidade da matilha, pois a comboio seguirá seu rumo “duela a quien duela”. Em desuso nos dias atuais, consequentemente desconhecida da maioria dos jovens, a expressão “os cães ladram e a caravana passa” (em árabe, em tradução livre, alkilab tanbah walqafilat tamuru) tornou-se famosa na voz e na escrita de Ibrahim Sued, colunista social entre os meados das décadas de 50 e 80, que encerrava suas crônicas com esse bordão. Vento vai, vento vem, o significado prático do brocardo é muito simples: devemos ignorar as provocações que possam impedir o progresso e esquecer críticas que não sejam construtivas. Pois bem, o tempo passou e chegamos ao período bozolítico, um dos mais insossos desde o Império. Talvez o mais improdutivo da história da República.

E não há que dizer que o povo não ajudou ou que as instituições atrapalharam. Ocorreu exatamente o contrário. Em 2018, com a urna eletrônica, o presidente em ação foi escolhido com apoio de 57.796.986 eleitores, dez milhões a mais do que o segundo colocado, lançado como poste por aquele ex-presidente que hoje lidera todas as pesquisas de intenção de votos. Pode ser o troco. A realidade é que, de lá para cá, a sucessão de eventos negativos é maior do que um rosário dos católicos romanos, que é dividido em três partes iguais, com 50 contas cada um. Portanto, melhor deixá-los por conta da memória seletiva dos admiradores devotados do mito, bem como dos ex-fãs e dos sempre zelosos e diligentes brasileiros que jamais acreditaram no blasfemador.

Criar um fato que virou fake contra o sistema eletrônico de votação foi um dos maiores insultos ao que é considerado digno de respeito ou reverência para a maioria esmagadora dos que torcem pelo Brasil moderno e exportador de tecnologia. Meu amigo Zé (o ninja dos bastidores da urna eletrônica) é claro quando eu o questiono sobre a segurança e inviolabilidade da maquininha de votar. A resposta é rápida. Segundo ele, qualquer processo eletrônico, inclusive o da Nasa, é passível de invasões ou fraudes. A urna eletrônica e seus mecanismos não, porque não estão vinculados a rede alguma. Seu único vínculo é com uma tomada elétrica. Daí a conclusão de que, para eventuais invasores, nada além de choques. Foi o que sobrou para o presidente da República e apoiadores que insistem em se manifestar contrariamente ao que não conhecem e nunca quiseram conhecer.

A direção do Tribunal Superior Eleitoral escancarou o sistema de votação para as viúvas do voto impresso, mas, certamente levados pela bizarrice das queixas, elas sucumbiram aos fastos, preferindo o luto do cercadinho ou, em casos mais extremos, o recolhimento domiciliar obrigatório. Quem não se lembra dos deputados Bia Kicis (PSL-DF), autora da PEC da chamada auditagem do voto, e Daniel Silveira (PSL-RJ), que chegou a dizer que “o voto impresso vai acontecer ou então o STF e a Justiça Eleitoral não mais existirão porque a gente não vai permitir”? Para o bem do país, uma desapareceu do cenário político, embora permaneça presidente da Comissão de Constituição Justiça da Câmara, e o outro passou longo tempo recolhido em um presídio. Hoje está em prisão domiciliar. São nomes que não passarão de verbetes em futuros livros sobre a política nacional.

Ao contrário deles, dois dos principais desafetos do mito cada vez menos idolatrado, dificilmente deixarão a ribalta. Refiro-me aos ministros Luiz Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, atual e futuro presidente da TSE. Ora com respostas incisivas, ora com jogadas de fazer inveja aos mestres, voluntária ou involuntariamente, ambos não conseguem ficar longe dos holofotes. Nessa sexta-feira (17), Moraes foi empossado vice na gestão do ministro Edson Fachin, que ficará no comando eleitoral de fevereiro a agosto do ano que vem, também conhecido como 2022, o ano da eleição que deve devolver o período que sucedeu o pleito de 2018 ao inspirador universo do que foi sem nunca ter sido. Ou seja, pelo menos até outubro o nome de Moraes habitará o consciente e o subconsciente coletivos do bolsonarismo.

Pior será o fantasma do general Fernando Azevedo e Silva, ex-ministro da Defesa de Jair Messias, assustando os que vivem assustados com a falta de votos do capitão. Demitido depois do episódio em que também foram trocados os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica, o general assume em janeiro o posto de diretor-geral do TSE, com a responsabilidade de gerenciar administrativamente as próximas eleições, incluindo o controle das urnas. Ainda é cedo para afirmar que Azevedo funcionará como antídoto ao golpismo e às inverdades do presidente sobre as eleições. Entretanto, como indicação direta de Alexandre de Moraes, também caberá ao general responder a eventuais futuros ataques à máquina de votar. Parafraseando a colega Preta Abreu, a diferença é que será uma resposta de um quatro estrelas a um suboficial. A verdade verdadeira é que Moraes é a pedra pontiaguda no coturno do mito.

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