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O futuro é logo ali

Genivaldo, de limpador de carburador ao futuro

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Reprodução

Genivaldo desde sempre viveu com a cabeça enfurnada entre as nuvens mais altas, como se buscasse algo que não tivesse aqui embaixo ou, então, fosse simples devaneio decorrente do tédio da vida que levava. Não que quisesse ser astronauta, mesmo porque jamais suportou uma vida eterna em vestes tão incômodas. Gostava de mobilidade e conforto e, se aquele homem não andava pelado o tempo todo, era por mera questão de convenção social. Também, é óbvio, não queria ser preso por atentado violento ao pudor.

Mecânico de profissão, desde os tempos em que os automóveis possuíam carburadores, Genivaldo, entre um aperto de parafuso aqui, uma troca de óleo ali, sonhava com uma viagem para o futuro ou mesmo para o passado. Esse pensamento, aliás, era recorrente, como se houvesse uma engrenagem que fizesse com que seu cérebro trabalhasse diariamente nesse intuito. Todavia, bastava entrar na oficina do Genivaldo, bem ali na Asa Norte, para perceber o motivo de tal fixação. É que havia um enorme cartaz do filme "De Volta para o Futuro" numa das paredes encardidas daquele lugar.

O futuro era um mistério para aquele mecânico. Mas não o futuro de ali a poucas horas, dias ou meses. Queria saber como é que a humanidade iria viver daqui a cem, duzentos, mil anos. Seria possível construir uma máquina capaz de viajar no tempo? Aliás, seria o próprio tempo dividido em camadas, que se sobrepõe, como se fosse um mil-folhas que ele adorava saborear na padaria da esquina? Ou, então, não passava de uma simples ideia para um roteiro de Hollywood?

De tão envolvido com aquele pensamento, eis que num domingo, sua folga, resolveu acordar bem cedinho e se embrenhar no meio de tantas ferramentas da sua oficina. Fechou bem a loja para que ninguém pudesse ir perturbá-lo. Olhou o velho Fusca 1972 e, decidido, começou a futucar naquele motor que não dava sinal de vida há pelo menos uma década. Não era um DeLorean, é verdade! Mas era o que Genival tinha à sua disposição.

Trabalhou o dia inteiro, perdeu até a noção do tempo. Não voltou para casa naquele dia nem nos seguintes. A esposa, acostumada com as manias do marido, nem se deu conta do seu sumiço. Até os clientes, depois de perceberem que as portas da oficina não estavam abertas, deixaram de procurá-lo. Melhor assim, pois ninguém iria perturbá-lo naquela saga que mudaria a humanidade. Não que ele ligasse para fama, isso não. Genivaldo era movido pela curiosidade! Sim, queria porque queria descobrir como os humanos viverão no futuro muito além de simples horas, dias ou meses.

Não se sabe exatamente quanto tempo ele levou para dar os pequenos passos para transformar a humanidade. Todavia, parece, conseguiu. Mesmo assim, ele queria provar que estava certo sem os olhos curiosos da vizinhança.
Por isso, esperou que todos já estivessem recolhidos em suas camas quentinhas. Genival, então, abriu a oficina, depois se acomodou no banco do Fusca 1972, ligou o motor. Acelerou de leve, depois apertou bem fundo. Antes que engatasse a primeira, lembrou-se de colocar o cinto de segurança. Vai que no futuro tenha um guardinha na esquina pronto para lhe aplicar uma multa.

Pisou na embreagem, engatou a marcha e acelerou firme. Passou logo para a segunda, depois para a terceira, mudou para a quarta quando, de repente, um clarão surgiu diante dos seus olhos. Eufórico, Genivaldo constatou que havia conseguido chegar ao futuro. Não sabia exatamente em que ano, talvez algo por volta do século XXX.

Estacionou o Fusca 1972 em uma vaga próxima a uma sorveteria. No cardápio, sabores diversos, desde morango de Saturno até chocolate de Marte. Não faltavam as novidades melancia de Júpiter e cogumelos de Plutão, que, Genivaldo descobriu, havia voltado à condição de planeta por conta de uma emenda constitucional aprovada quase por unanimidade pelos deputados e senadores. Esfomeado que estava por conta de tantos dias sem comer, ele se
esbaldou de tanto sorvete.

Agora de barriga cheia, Genival se deu por satisfeito. Levantou-se e saiu da sorveteria. Foi em direção ao seu Fusca 1972, quando, de repente, o dono do estabelecimento lhe toca os ombros. Genivaldo havia saído sem pagar. Ele, então, percebe que estava sem a carteira e tenta argumentar com o comerciante, que, não satisfeito, lhe desfere um safanão no pescoço.

Genivaldo reage com um xingamento, quando, então, ouve uma voz muito familiar.

– Acorda, amor! Tá atrasado pro trabalho.

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