Jogadores
Gente humilde do dominó supera a plutocracia
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emCaminhando sem pressa pela calçada, eu passei ao lado de dezenas de homens formando uma roda em volta de uma mesa de concreto. Subitamente, ecoando entre as diversas silhuetas, ouvi um grito estrondoso.
— Fala, professor!
Imediatamente eu parei, me virei de lado e, mesmo me esforçando, não consegui distinguir a fisionomia da pessoa me chamando. Mas, com certeza, tratava-se de algum dos meus ex-alunos. Mesmo assim, de longe, acenando com a mão, respondi ao cumprimento informal.
— E aí, tudo beleza?
Após o episódio, eu continuei andando. No meio do caminho, comecei a refletir sobre aqueles homens, a maioria velhos aposentados, de rostos sulcados e cabelos grisalhos parados sob a generosa sombra de uma árvore. No mesmo ritual sagrado de todos os dias, sentados nos bancos de cimento, quatro deles formavam duplas, se concentravam e jogavam acirradas partidas de dominó. A cada segundo, as peças retangulares, com uma das faces marcada por pontos indicando valores numéricos, suscitavam um barulho cortante sobre o tabuleiro quadriculado de madeira jazendo sobre a mesa de concreto. Mas, por que jogar as pedras com tanta força? Seria para dar mais emoção ao jogo? Provavelmente. Porém, para completar, as disputas aconteciam entre gritos, desafios, blefes, manhas e artimanhas. Afinal, mesmo sem valer nada, ninguém queria perder para ficar de fora esperando a próxima vez.
Ao mesmo tempo, rodeando as duplas de jogadores, os outros homens aguardavam ansiosos pela vez de entrar no jogo. Enquanto esperavam, alguns davam pitacos, torciam para qualquer lado e criticavam as jogadas erradas no meio de um pequeno vacilo. Outros, por sua vez, sentados em um banco de madeira improvisado, conversavam sobre futebol, política e o custo de vida. Ao lado do grupo, um velho magro, quase tísico e de cabelos totalmente grisalhos, também esperava. Mas, enquanto isso, como mascate experiente, vendia panelas, bacias, pratos, copos, tapetes e outros utensílios amontoados dentro de um carrinho de mão de duas rodas.
No entanto, as partidas ocorriam no mais puro respeito mútuo entre os jogadores, os torcedores e mesmo as pessoas passando de um lado para o outro. Nada de palavrões, gestos obscenos, brigas, ofensas verbais e agressões físicas. Nada de desavenças, mas somente bocejos de lassidão, euforias, sorrisos vitoriosos e lamentações pelo azar no momento triste da derrota.
Porém, o que dizer destes homens? São desocupados? São malandros? São vagabundos? Nada disso! São, na maioria, aposentados, trabalhadores nas poucas horas de folga e mesmo alguns aventureiros passando pelo local. São, com certeza, pessoas honestas, probas e de boa índole buscando momentos efêmeros de lazer, alegria e passatempo para espantar a ociosidade da vida difícil na luta pela sobrevivência. São cidadãos brasileiros, resilientes e literalmente verdadeiros heróis.
Certa hora, eu parei, olhei mais uma vez para trás e estendi as minhas reflexões. Pensei no Brasil de uma sociedade vil, inescrupulosa e hipócrita. No Brasil das injustiças, das desigualdades sociais e da violência visceral. Pensei no ninho de cobras formado por políticos desprezíveis atolados na lama da corrupção, roubos e falcatruas disseminando mentiras, ódio, violência, intolerância e vivendo em detrimento da miséria do povo. Voando mais alto pelo mundo, pensei nos dirigentes das nações mais belicosas amiúde conspirando contra a paz, planejando guerras insanas para matar inocentes, principalmente crianças, no mero intuito de enriquecer indústrias armamentistas. E, para piorar, no meio desses hipócritas, estão muitos velhos grisalhos. Sim, velhos asquerosos dando exemplos explícitos de que nem sempre velhice é sinal de inteligência, sapiência e amor.
Dessa forma, em poucos minutos completei meu raciocínio, minhas reflexões e minhas elucubrações. Sinceramente? Comparados aos homens arrogantes, poderosos, prepotentes, corruptos, ladrões, déspotas e cheios de irracionalidades pretensiosas em suas ações nocivas, eu prefiro os homens honestos, humildes, educados, simples, alegres e de racionalidades despretensiosas no meio das acirradas partidas de dominó. Sabe por quê? Porque todos foram, e alguns ainda são, trabalhadores quase sempre invisíveis para a sociedade. Uma sociedade, na verdade, dominada há séculos por uma indigerível plutocracia. Sim, sem dúvida alguma, os inofensivos jogadores de dominó são muito mais úteis para o bem da humanidade.