Glória, cujo nome não poderia ser mais glorioso, não era de fazer rodeios quando precisava dizer algo. A mulher, ao que tudo indicava, teria nascido sem freio na língua, pois desde sempre falava o que lhe vinha na telha. Se acaso alguém se sentisse ofendido, problema. Ela nem ligava ou, então, se fazia de desentendida e continuava a vida como se nada tivesse acontecido.
Para evitar confrontar a atrevida, as pessoas preferiam fugir da discussão desnecessária. Não dava mesmo para competir com tanta petulância, ainda mais alguns dias antes das regras, que vinham e iam mês a mês. Até a mãe, da qual a mulher havia herdado a completa ausência de paciência, preferia não bater de frente com a filha.
Apesar dessa quase perene falta de combatentes à altura, eis que aconteceu logo no ambiente de trabalho. Para ser mais preciso, o fato se deu justamente nas festividades de fim de ano, quando os funcionários resolveram fazer aquela costumeira brincadeira que todos são praticamente obrigados a participar para não receber a indesejável alcunha de chato.
Judite, que possuía um cargo logo abaixo do chefe e um tanto acima dos demais, foi a escolhida para passar a lista de presentes que todos queriam receber. Tudo ia bem, até que chegou a vez da Glória preencher o tal rol.
— Lista de presentes?
— É.
— Mas não é amigo-oculto?
— É.
— E qual é a graça da pessoa já saber o que vai receber?
— O chefe falou que assim é melhor, pois evita frustrações.
— Há, há, há! Que coisa mais ridícula!
— Glória, por favor, não vá criar caso. Preenche logo a lista.
— Não vou participar.
— Por quê? Vai dar uma de inconveniente agora?
— Inconveniente?
— É. Você sempre faz questão de ser do contra.
— Judite, vai ver se tô ali na esquina. Aliás, melhor ir catar coquinho. Ah, e mais uma coisa.
— O quê?
— Não amola!
— Glória, você deveria ser mais respeitosa.
— Respeitosa? Mulher, eu sou é afrontosa!
*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
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