Criticado por Deus e o mundo e alguns diabinhos quando aventou a possibilidade de levar a plenário a derrotada proposta de emenda que torna obrigatório o voto impresso, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), honrou os briosos e sérios eleitores alagoanos com uma demonstração de que, às vezes, a inteligência política pode ser usada para o bem. Na sexta-feira (6), um dia depois de a PEC ser rejeitada em uma comissão especial, ele confirmou o que era tese e anunciou que levará à consideração da totalidade do colegiado da Casa a proposta defendida enlouquecidamente pelo presidente da República. Ao receber a informação, pensei de imediato em me dirigir jocosamente à sua genitora. Cinco segundos de reflexão foram suficientes para entender que sou mesmo neófito no assunto. Ainda preciso aprender muito com quem tem graduação, mestrado e doutorado na matéria.
No sexto segundo, compreendi a amplitude da decisão do quase conterrâneo e agora companheiro Arthur Lira. Na comissão especial, a volta da contagem manual do resultado das eleições caiu por um placar de 23 votos contrários a 11 favoráveis. Dos partidos representados na comissão e na Casa, 12 recomendaram a derrubada do mantra presidencial, entre eles PT, PL, PSD, MDB, PSDB, PSB, PCdoB, DEM, PV e Rede. Considerando que o governo precisará de três quintos dos deputados (308), em dois turnos, para aprovar a tal auditagem do voto na Câmara, conclui que, na prática, Lira apenas parafinou a corda da forca de Bolsonaro. O nó está pronto faz tempo. Os deputados e depois os senadores, se chegar até eles, cuidarão de empurrar o cadafalso.
Apenas brasileiros limitados politicamente ou fanatizados pelas baboseiras espirradas pelas frestas das janelas do Palácio do Planalto ainda acreditam na adoção do voto impresso. Morrerão com a certeza de que o presidente da Câmara tem boas intenções com a proposição. Só perceberão o engano quando as urnas forem abertas em outubro de 2022. Ainda que jogue para a plateia, Arthur Lira sabe que não há chance alguma de prosperar em plenário a única bandeira do presidente. Aliás, já enviou esse recado à cúpula do Tribunal Superior Eleitoral. A ideia é boa e muito clara: os deputados derrubam a PEC, poupam Bolsonaro de sofrer nova derrota no Judiciário, encerra de uma vez por todas a chata novela bolsonarista e, com seus integrantes no comando do governo, o Centrão tentará concluir a gestão sem mais sobressaltos.
Embora a iniciativa tenha desagradado suas excelências de toga, a contrapartida do TSE será a adoção, a médio e longo prazos, de novas medidas de transparência das urnas eletrônicas. Nada exagerado. Talvez mais divulgação dos mecanismos de segurança da maquininha de votar e, quem sabe, mais equipamentos para o crivo dos “testadores”, incluindo os hackers remunerados pelos partidos governistas. Li e concordei com alguns analistas políticos que a honrosa e antibolsonarista saída anunciada pelo parlamentar alagoano teve por objetivo encerrar o assunto. Pode ser. Deputados de diversas correntes ideológicas afirmam que Lira decidiu não contribuir com o discurso golpista de Jair Bolsonaro. Também palpável essa tese.
Acho, porém, que faltou dizer ao Brasil e aos brasileiros que há leis no país e que elas têm de ser cumpridas por todos, prioritariamente pelo presidente da República. Acredito principalmente na necessidade de reiterar para a população que não há uma única prova que justifique uma mudança desconexa e desprovida de lógica em um sistema que funciona desde 1996 sem máculas. Tanto isso é verdade que, ao divulgar sua intenção de levar a PEC do voto impresso a plenário, o presidente da Câmara convocou seus pares a aceitarem o pleno como ringue decisivo, fazendo questão de lembrar que eles foram eleitos democraticamente pela urna eletrônica.
“Pela tranquilidade das próximas eleições e para que possamos trabalhar em paz até janeiro de 2023, vamos levar, sim, a questão do voto impresso a plenário, onde todos os os parlamentares eleitos democraticamente pela urna eletrônica vão decidir. E eu friso, eleitos todos pela urna eletrônica”. Como vale o que está escrito, até para neófitos uma palavra basta. A partir de agora, as ameaças de golpe e os constantes ataques ao sistema de votação certamente deixarão de ser avaliados como cortina de fumaça. A nova denominação será blefe. Que venha 2022. Alea jacta est.