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Golpe no contragolpe, general, nem no Haiti, que deixou de ser aqui

Apesar de algumas cantorias, toadas e cantilenas nesse sentido, faz tempo que o Haiti não é mais aqui. A Venezuela também não. E nunca será, embora seja esse o desejo de um segmento político até hoje infeliz por conta dos bons ventos que sopram de dentro para fora e de fora para dentro do Brasil. O novo cenário mundial nos favoreceu. O fim da guerra fria entre Estados Unidos e a antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas também ajudou, na medida em que implodiu de vez qualquer discurso baseado no combate ao comunismo.

Os norte-americanos se insurgiam ao primeiro sinal de um governo socialista nas repúblicas sem força bélica, financeira e política. Daí a enxurrada de ditaduras nas Américas e em parte da Europa nos anos 60, 70 e 80, todas financiadas, armadas e referendadas pelos representantes de Tio Sam. Os tempos mudaram. O Brasil não empobreceu, nossas instituições estão consolidadas, o comunismo virou lenda e hoje está claro que, em qualquer parte do planeta, não há povo mais democrata do que os chamados comunas. Os Estados Unidos atestam a afirmação.

Não há mais espaço para golpes em lugar algum do mundo. Rico, industrializado e redemocratizado desde o fim dos anos 80, a Coreia do Sul transformou-se em um recente exemplo negativo para todos os conservadores que, por falta de capacidade, discurso ou conteúdo querem tomar ou permanecer à força no poder. A lei marcial tentada pelo presidente Yoon Suk-yeol virou um traque contra o povo e contra o Parlamento local, mas acabou como uma bomba de várias ogivas estourada no colo do próprio mandatário. Quis ferir com ferro e com ferro foi ferido.

A necessária prisão de generais e figurões de um governo que passou passando é a prova mais consistente de que a distância entre o Brasil da democracia e a Venezuela da aristocracia monopolizadora é abissal. O general Braga Netto foi preso na manhã deste sábado (14), no Rio de Janeiro. E não são prisões espetaculosas ou sem nexo. São todas baseadas em fatos inquestionáveis, inclusive de tramas para assassinar o presidente e o vice-presidente eleitos em 2022, além de um ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Nenhum brasileiro se sente feliz e honrado ao ser informado que Braga Netto é o primeiro general quatro estrelas a ser preso no Brasil.

Como diz um presidente odiado por uns e amado por outros, nunca na história deste país se imaginou tal coisa. Conforme o ministro Alexandre de Moraes, a preventiva de Braga Netto foi motivada pelo volume de evidências acerca de sua participação no planejamento de um fracassado golpe de Estado e, principalmente, na tentativa de obstrução das investigações em curso na Polícia Federal, por meio de obtenção ilícita de dados de colaboração premiada. Embora neguem, infelizmente a tentativa de golpe não foi uma brincadeira de crianças, tampouco a chamada para uma procissão contra padres progressistas.

Vale lembrar que o amadorismo dos militares e de seus seguidores evitou a sublevação. De acordo com avaliação do ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, um golpe de Estado a essa altura do Brasileirão Betano levaria o país a ser um pária internacional. Obviamente que, mesmo divididos, os bastidores das Forças Armadas estarão em ebulição neste fim de semana. Também é óbvio que, apesar de algumas desconfianças, a relação entre os atuais comandantes do Exército, da Aeronáutica e da Marinha e o presidente Luiz Inácio é de respeito à hierarquia, às leis e, sobretudo, à ordem pública. Considerando a torpeza de uma ditadura, faço minhas as palavras do filósofo Leandro Karnal, para quem a democracia pode não ser o paraíso, mas ela garante que a gente jamais chegue, por exemplo, ao inferno venezuelano.

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