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Gorete viaja em vida para acabar como graúna

Gorete, ainda adolescente, começou a desejar ser Marilyn Monroe assim que ouviu que os homens preferem as loiras. Coisas de Hollywood, que parecem querer atentar contra a natureza morena dos cabelos brasileiros. A mulher, ariana do dia primeiro de abril, acreditou na própria mentira quando tacou água oxigenada nos fios.

Ficou loira, é verdade, até que passou uma manhã inteira no clube. E, entre um mergulho e outro na piscina, viu suas mechas se tornarem verde. Verde que nem polpa de abacate maduro. Que horror! Foi aquela zoação dos amigos.

A mulher, assim que recebeu o primeiro salário no emprego de balconista, comprou uma tintura na farmácia. Loiro platinado, que faria qualquer estrela de cinema reconhecê-la como igual. Chamou a atenção dos rapazes, que passaram a chamá-la de Loira, Loirinha, até que, por economia de vogal, ficou Lôra.

Aos 30 anos, Lôra nem mais se lembrava de que seus cabelos naturais eram negros que nem graúna. Tanto é que chegava a sonhar com seus tempos de menina loirinha correndo pelas ruas do bairro, rodeada de crianças de cabelos escuros. Ela, naturalmente, se destacava.

Certo verão, lá estava a mulher deitada em frente à praia de Tambaú, na linda João Pessoa, quando um homem passou e lhe pediu uma informação. Lôra logo percebeu que o gajo não era daquelas bandas, não apenas pela língua desconhecida. Inglês? É que o dito cujo era tão loiro como as madeixas da mulher.

Nada de inglês. O sujeito era sueco. E, apesar da discrepância dos idiomas, aqueles dois acabaram se entendendo em suas loirices. Da praia para o quiosque logo ali foi um pulo. A conversa ficou mais comprida do que o esperado e, cinco meses após, já estavam casados.

A princípio, o casal foi morar na Suécia, mas o frio de Estocolmo era tão intenso, que Lôra não aguentou. Voltaram e foram morar em Salvador, onde o marido poderia trabalhar. Por sorte, ele era funcionário de uma empresa com filial na capital baiana.

Quase cinco anos de casados, aqueles dois tiveram uma grata surpresa em abril de 1982. Lôra estava grávida. Que felicidade para aquele casal tão loiro. E, para completar tamanha felicidade, eis que, quando chegou a hora, nasceu uma linda menina. A cor dos cabelos? Bem, certamente por conta desses estranhos acordos genéticos, a garota nasceu naturalmente loira.

O tempo daquela gente de cabelos amarelos continuou reluzindo que nem ouro. Perto de completar 70 anos, Lôra e o marido foram visitar a filha, que estava planejando se casar. Pois é, aquela garotinha loira, agora aos 30, andava de namoro sério com um belo rapaz. Se era loiro ou não, os futuros sogros não sabiam, pois estavam a caminho de Recife, para onde a filha havia se mudado há quase dois anos.

Ansiosa para conhecer o futuro marido da filha, Lôra não parava de pensar como seria o rapaz. Assim que o veículo estacionou, foi a primeira a descer. Foi em direção à entrada do edifício, enquanto o esposo corria esbaforido logo atrás. O casal entrou no elevador. Lôra não parava de apertar o botão do oitavo andar, como se aquilo fosse acelerar a subida.

Assim que a porta do elevador se abriu, lá estavam a filha e o futuro genro abraçados. Lôra, ao ver aqueles cabelos enegrecidos, teve um treco. Caiu dura que nem jaca madura. Precisaram chamar uma ambulância para socorrer a velha.

O médico, depois de atender Lôra, foi ter com os parentes da paciente. A mulher havia tido um AVC e estava em coma. A situação era grave, as expectativas não eram das melhores. Precisariam esperar alguns dias para saber se Lôra iria reagir com o tratamento.

Os dias viraram semanas, que viraram meses, que completaram anos. Desacreditada pelos médicos, o destino de Lôra parecia estar traçado. A filha era favorável a desligar os aparelhos para deixar a mulher ir em paz. Mas o esposo, ainda esperançoso de que Lôra iria sair daquela, era contra. Mesmo assim, acabou concordando que no dia primeiro de abril, aniversário de 73 anos da esposa, os aparelhos que mantinham Lôra viva seriam desconectados da tomada.

E lá estavam os familiares se despedindo da parenta, quando algo aconteceu. Os olhos de Lôra se abriram e ela viu seu reflexo no espelho na parede em frente. Seus cabelos estavam totalmente brancos. Uma lágrima escorreu pela sua face. Gorete sentiu saudade das madeixas de graúna.

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