Nas repúblicas presidencialistas como o Brasil, o texto constitucional determina ao presidente eleito pelo voto direto as tarefas de chefe de Estado e de governo e de comandante das Forças Armadas. Como chefe de governo, ele é responsável por ações e decisões do cotidiano da nação, entre elas o gerenciamento da máquina administrativa federal, criação de políticas públicas de saúde e de educação, programas governamentais, sugestão de leis e ordenamento da infraestrutura nacional (transportes, comunicações e fontes de energia). Como chefe de Estado, o presidente é o representante máximo do país perante o mundo. Na prática, isso significa que o mandatário é a autoridade mais elevada e principal articulador das vontades da população. O mais relevante é que ninguém alcança essa posição por acaso ou desconhecendo as funções inerentes ao cargo. Nunca na história deste país alguém foi obrigado a se candidatar ao Palácio do Planalto.
Pelo contrário. Matam, morrem, esfolam e até ameaçam golpes para garantir o poder. Então, não me venham com churumelas. Admito a hipótese de que não seja maldade elevar os preços da gasolina, da carne, do frango e dos gêneros de primeira necessidade. Como sempre acredito na boa fé das pessoas, também é crível entender como palatável o discurso de que o dólar a R$ 4 é desejo comum. Tudo isso é óbvio. O problema é perceber que nada está sendo feito para minimizar o caos econômico-social que se avizinha. Pior é creditar o desmantelo econômico da Terra Brasilis unicamente à pandemia escanteada desde o início e, quando admitida, pública e morbidamente atribuída aos laboratórios da China. Ainda mais lamentável é ouvir do líder político o “aconselhamento” de que “nada está tão ruim que não possa piorar”.
É o mesmo que um pai chamar o filho e dizer a ele: se vire para sobreviver e, se conseguir, viva. É como o dono da sauna, que vive do suor dos outros. Eita otimismo pai d’égua. Se remexendo no túmulo, Nelson Rodrigues deve estar reescrevendo uma de suas mais célebres frases: “Nada nos humilha mais do que a coragem alheia”. E que coragem. Meu Deus! É verdade que a crise sanitária arrasou com a economia, pulverizou empregos e gerou milhões de histórias tristes, com destaque para as quase 600 mil mortes decorrentes da Covid-19. Talvez muitas delas tivessem sido evitadas caso o governo não negasse sistematicamente o vírus. Negou enquanto pode. Entretanto, isso é problema da CPI da Covid e, um dia, do Deus que o mito fabricado nas mentes fanáticas de meia dúzia tanto busca.
Não devemos esquecer que o presidente que certamente vai morrer culpando prefeitos e governadores pelo fechamento das atividades econômicos no período mais agudo da pandemia é o mesmo que estimulou a greve dos caminhoneiros e a paralisação do país em nome de um golpe insano e de satisfação exclusivamente pessoal. O governo de Jair Bolsonaro completou 1.000 dias. Valeu uma pomposa comemoração. Afinal, cada um comemora o que quiser e como quiser. É uma questão de oportunidade. Todavia, a pergunta que não quer calar é simples. O que comemorar com o Brasil próximo da falência? Além de um despropósito, soa como recibo de um governo novo, mas de inoperância antiga. É o país da comicidade.
Parafraseando o jornalista Millor Fernandes sobre a definição da Academia Brasileira de Letras, poderia dizer que o governo brasileiro se compõe atualmente de 23 ministros e de um morto rotativo. Em síntese, sem conotação pejorativa, a turma dos rotos brigou com a trinca dos esfarrapados pelo poder e agora não sabe o que fazer com ele. Tomando a termo a afirmação inicial, poderia dizer que nem tudo está perdido. A Presidência da República não se limita a um cercadinho. Governar não é um gesto de amor, mas de coragem e denodo. Qualquer caminho esburacado é passível de conserto. Se a proposta de uns é estimular a fome, o desemprego e o aumento da gasolina, consequentemente da inflação, para a maioria do povo, incluindo os tais esfarrapados (que não são maltrapilhos), sempre há uma alternativa de solução.
É comum perdermos a confiança ao olharmos para uma pessoa curvada, triste, sem ação e aparentemente preparada para a derrota. É o caso do presidente brasileiro. Também é comum que, quando bem intencionados, sejamos todos merecedores de uma segunda chance, de uma vida nova. A quadra é pavorosa, mas o horizonte parece ditoso. Pensemos nisso e mantenhamos a esperança. Apostemos na primeira, segunda ou terceira via. O que precisamos evitar são novas apostas em salvadores da pátria. Como disse certa vez o poeta Zeca Baleiro, “pior do que o fim do mundo é o fim do mês”. Então, de posse do título de eleitor, comecemos a nos exercitar para outubro de 2022. A melhor forma de prever o futuro é criá-lo.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978