Na festa em Teerã havia álcool, é claro, mas era um evento pacato, longe das festas selvagens, exageradas, das lendas urbanas. As pessoas estavam apenas sentadas à mesa, bebericando e conversando como fariam em muitos lugares ao redor do mundo. Passado algum tempo, alguém fez uma ligação e, poucos minutos depois, a campainha tocou e entrou um homem de certa idade de aparência não chamativa.
Ele rapidamente abriu sua pasta e colocou seus produtos em exposição, uma variedade impressionante de marcas de maconha produzidas localmente e com diversos graus de potência, como nomes como Royal Queen, DNA e Nirvana. O tempo todo seu telefone não parava de tocar e apesar da etiqueta iraniana prescrever que ele deve permitir às pessoas não ter pressa para escolherem, ele discretamente olhava de forma constante para seu relógio. Ele ainda tinha muitas paradas a fazer.
O Irã é notório por seu código austero de conduta fiscalizado por um vasto aparato de inteligência, e travou uma longa e dolorosa guerra contra o tráfico de heroína e ópio, com forças de segurança morrendo aos milhares ao longo das últimas duas décadas nos confrontos com os cartéis afegãos.
Mas o mesmo governo que executa centenas de narcotraficantes por ano (e também reprime periodicamente o álcool, que também é ilegal) parece curiosamente desinteressado com a crescente popularidade da maconha.
O governo abriu 150 centros para tratamento de alcoolismo em 2015, e o Ministério da Saúde está profundamente envolvido no combate a drogas pesadas como a heroína. Mas a maconha é mencionada apenas vagamente no código penal islâmico, de modo que a polícia dá a ela pouca atenção. Apesar de a pena para o consumo de álcool ser teoricamente 99 chicotadas (a maioria das pessoas apenas paga uma multa), não há pena de prisão ou chicotadas para pessoas pegas com pequenas quantidades de maconha.
Consequentemente, o uso de maconha cresceu às alturas. “Gol”, ou flor, como a maconha é chamada aqui, pode ser encontrada em qualquer parte na capital ou arredores.
O Irã não mantém estatísticas oficiais sobre o uso de maconha. Mas evidências e números de clínicas de reabilitação indicam que o consumo de maconha é disseminado nas cidades iranianas. Hossein Katbaei, diretor de uma dessas clínicas, o Campo Jordão, disse que o número de pacientes tratados ali por abuso de maconha quadruplicou nos últimos cinco anos.
Katbaei, um ex-caminhoneiro com rabo de cavalo e outros especialistas em vício dizem que os jovens iranianos com frequência se envolvem em um ciclo vicioso. Com o desemprego elevado e preços dos imóveis proibitivamente altos, muitos jovens adultos são forçados a viver na casa dos pais, em vidas de isolamento e depressão das quais buscam escapar por meio da maconha.
A maconha é vista internacionalmente com frequência como droga não viciante. Mas aqueles que a usam com frequência se tornam dependentes. De acordo com o Instituto Nacional de Abuso de Drogas dos Estados Unidos, os adolescentes que usam maconha apresentam quatro a sete vezes mais probabilidade que os adultos de desenvolver desordens ligadas à droga. Em casos severos, diz o instituto, isso pode levar ao vício.
Especialistas iranianos apontam que um crescente percentual de maconha produzida no país é misturado com outras drogas. Além disso, a maioria das sementes é contrabandeada de Amsterdã, e muitas são modificadas geneticamente para serem mais potentes.
Com o aumento do uso de maconha, os pacientes na clínica de Katbaei mudaram.
“Eles são de famílias de classe média, com frequência em boa situação financeira”, disse Youssef Najafi, um ex-viciado em drogas que agora é conselheiro na clínica. “Eles se sentem inúteis. Vivem na casa dos pais. O futuro deles é um grande enigma. Há alguns anos tínhamos apenas um ou dois. No início, eles acham que é inofensivo, mas aqueles que utilizam demais se tornam deprimidos e depois psicóticos.”
Poucos iranianos mais velhos, sejam pais ou autoridades de saúde, sabem sobre a maconha e seus efeitos, disse Najafi. Não há esforço por parte do governo para informar as pessoas sobre os efeitos do uso da maconha. Em 2013, o atual chefe de polícia, Ali Moayedi, disse na mídia estatal que não existia maconha no Irã.
Mas durante uma sessão de aconselhamento no campo, a maconha estava no topo da lista do que a maioria dos pacientes usava. “Aqui no Irã, ao menos, a maconha é realmente uma droga de fuga da realidade”, disse Najafi.
Ela envolve a empolgação de ser tecnicamente ilegal, ele disse, mas não tanto quanto outras drogas. “A metadona está livremente disponível aqui, e muita maconha no mercado é banhada em metadona, o que torna seu consumo muito mais pesado.”
Sem causar surpresa, os jovens iranianos veem de forma diferente, com muitos considerando a maconha apenas uma droga relativamente nova entre um amplo universo de prazeres proibidos. Mas a diferença de outras substâncias que possam usar é que a maconha para muitos costuma ser fumada o dia todo.
Às 11h de certa manhã, um desempregado de 25 anos, Abdi, acendeu um baseado, o primeiro do dia e lembrou os apelidos dos amigos com quem costumava fumar maconha. Havia o “Mohammad Bolas de Cão”, que comprava a droga; “Samy Detroit”, que já morou nos Estados Unidos; e Kiarash o travesti, que já era confuso. Eles tinham 17 anos.
Ele disse que eles começaram com a maconha, depois passaram a drogas mais fortes. Então ele iniciou um longo e complicado discurso criticando a influência do Instagram sobre os jovens, a desigualdade em Teerã e a necessidade de esquecer tudo.
Seu pai perdeu tudo em um negócio malsucedido, a casa, o emprego, sua esposa, disse o jovem adulto. Ele, seu pai e irmão moravam no antigo escritório do pai. A venda de maconha, por cerca de US$ 7 (cerca de R$ 24) a grama, proporcionava uma pequena renda adicional. Basicamente, ele estava entediado como muitos outros, ele disse, sem trabalho e sem futuro. Segundo ele, a maconha proporcionava algum alívio.
No Campo Jordão, Katbaei, o diretor, disse saber quão determinados alguns viciados podem ser, já que ele próprio já usou todo tipo de substâncias ao longo das duas últimas décadas. Agora livre das drogas, ele comanda o campo com pulso firme, continuamente de olho na TV de plasma onde as câmeras do circuito fechado de televisão são monitoradas.
Katbaei disse que gostaria de dispor da perícia e fundos da Organização das Nações Unidas. “Este é um problema muito sério e está em toda parte”, ele disse.
O mês sagrado do Ramadã apresenta um problema especial, dado o conhecido efeito da maconha sobre o apetite. “Sou um muçulmano praticante e mantenho meu jejum durante o Ramadã”, disse Akhbar Kohpaye, um atacadista de ovos de 57 anos. “Mas me preocupo com meus dois filhos solteiros que podem estar sob a influência daqueles que usam maconha.”
Na sessão de aconselhamento da clínica, um novo paciente sussurrou em uma entrevista que estava bem. Ele mexia as mãos de modo inquieto como se não soubesse onde colocá-las. Ele protestou que não era viciado e disse não saber qual era o problema de gostar de fumar maconha o dia todo, todo dia.
No fundo da sala, Katbaei balançou a cabeça. “Curá-lo levará tempo”, ele sussurrou.