O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, suspendeu todos os convênios e parcerias da pasta e autarquias com organizações não governamentais pelos próximos 90 dias.
Também pediu um levantamento de todos os desembolsos efetuados por fundos do ministério, como Fundo Clima, Fundo Nacional do Meio Ambiente e Fundo Amazônia que tenham como beneficiários organismos do terceiro setor.
E determinou que todos os convênios, acordos de cooperação, atos e projetos do Ibama, do Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro feitos com ONGs deverão ser remetidos para anuência prévia do gabinete.
Em nota, o ministério disse que “a motivação do levantamento dos desembolsos efetuados pelos fundos geridos pelo ministério, bem como a sua suspensão temporária, tem por objetivo a avaliação dos mesmos. Na análise, serão examinadas as condições, prazos e volumes dos acordos pactuados”.
Segundo a pasta, o “diagnóstico permitirá a avaliação daqueles que têm condições de ter continuidade, bem como dos que eventualmente mereçam reparos”.
Não ficou claro, porém, quais contratos, em quais lugares, exatamente devem ser afetados. Nem o valor deles. Funcionários da pasta, em condição de anonimato, afirmaram que a decisão pode afetar ações concretas em conservação, como o projeto Arpa, que atua em áreas protegidas da Amazônia. Considerado o maior e mais bem sucedido programa de proteção de floresta tropical do mundo, ele atua em 60 milhões de hectares e já teve aplicação de cerca de R$ 500 milhões.
A pasta tem convênios também de recuperação florestal, agroextrativismo, agricultura familiar, trabalhos com povos indígenas, entre outros. Estima-se que todos os projetos hoje apoiados pelo Funbio (Fundo Brasileiro para a Biodiversidade), que gere recursos provenientes do Banco Mundial e do Fundo Mundial para o Ambiente (GEF) podem ser paralisados.
Também não dá para entender exatamente como fica a situação dos projetos financiados pelo Fundo Amazônia e pelo Fundo Clima. Os dois são geridos pelo BNDES, e os contratos são fechados entre os bancos e as organizações. Em teoria, não cabe ao Ministério do Meio Ambiente, unilateralmente, fazer essa suspensão. A carteira de projetos do Fundo Amazônia com o terceiro setor contém hoje 52 projetos contratados, com apoio de cerca de R$ 600 milhões.
ONGs vêm sendo alvos de ataques do presidente Jair Bolsonaro desde as eleições. Ele criticou, por exemplo, o programa de conversão de multas do Ibama. Pelo projeto, empreendedores com grandes valores de multas a pagar ao Ibama, como a Petrobrás, recebem um desconto de 60% no valor se empregarem o restante em projetos de recuperação ambiental.
Em reunião com parlamentares do DEM em dezembro chegou a dizer: “Nós respeitamos o meio ambiente, mas, pessoal, não dá mais para conviver com a indústria da multa”, antes de mencionar o programa. “Tem decreto que destina 40% das multas para ONG’s para preservar meio ambiente. O que vamos fazer com aquele decreto? Cair fora”, disse Bolsonaro. “Não vamos deixar esse pessoal se retroalimentar constantemente trabalhando contra nós”, continuou.
Esses projetos podem ser tocados por organizações sem fins lucrativos, como ONGs, ou mesmo pelo poder público, mas a maioria dos inscritos no primeiro edital foram as ONGs. No total, para o primeiro chamamento de projeto, foram arrecadados R$ 1 bilhão para o reflorestamento das bacias do São Francisco e do Parnaíba. Há um temor dentro do Ibama de que a nova medida afete esses contratos.
Além disso, em MP publicada logo no primeiro dia de governo, Bolsonaro determinou à Secretaria de Governo “supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar as atividades e ações dos organismos internacionais e das organizações não governamentais no território nacional”.
Repercussão – Em nota, um coletivo de ONGs, criticou a medida. Para o grupo, a suspensão dos convênios “fere o princípio da legalidade e levanta, sem elementos mínimos de prova, dúvidas sobre a idoneidade da sociedade civil”. Na visão das organizações, “o ministro adota, sem base legal e sem motivação, medida sancionatória genérica extrema, com potencial de causar descontinuidade na gestão ambiental federal. O prejuízo será do meio ambiente, que em tese Salles deveria proteger, e de populações vulneráveis em todo o País”.
O texto, assinado por Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), Instituto Ethos, Plataforma MROSC e Observatório do Clima, cita ainda a lei 13.019/2014, conhecida como Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC).
“Em vigor desde janeiro de 2016, regulamenta as relações entre governos e organizações da sociedade civil. Ela só prevê a suspensão como sanção, medida que só deveria ser tomada após abertura de processo administrativo em que o interessado tenha direito ao contraditório e à ampla defesa.
O ato do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, não apresenta qualquer justificativa, o que viola o princípio constitucional da motivação dos atos administrativos.”