O governo recentemente anunciou aumentos da Cide e do PIS/Cofins da gasolina, do IOF em empréstimos e financiamentos para pessoa física, ajustes em benefícios – como seguro desemprego -, e aumento na taxa de juros (de 11,75% para 12,5 %).
Com essas medidas, o ministro da Fazenda diz ser necessário cortar subsídios. Convém lembrar que há subsídios e subsídios, como diria o conselheiro Acácio, personagem de “O Primo Basílio”, de Eça de Queiróz. De quais subsídios fala Joaquim Levy?
Em Davos, ele declarou que “a maioria das pessoas no Brasil está preparada para pagar por serviços”, tendo acrescentado: “as manifestações de 2013 pediam um governo melhor, e não um governo maior”.
Será que o ministro entendeu mesmo a voz das ruas? Por que os bancos, os milionários, as altas rendas, as grandes fortunas, as heranças volumosas, os iates e os jatinhos não sofrerão ajuste tributário?
Ao mesmo tempo, deverá ocorrer uma quinta manifestação do MPL (Movimento Passe Livre), em São Paulo, contra os reajustes de tarifas do serviço de transporte coletivo e reivindicando maior subsídio para a tarifa. Ou será que são manifestações de uma minoria de brasileiros que não pode pagar por serviços públicos, usando o mesmo raciocínio do ministro?
O leitor pode se perguntar por qual razão interligo essas duas notícias e a resposta é simples. Eles são a evidência de que em nosso querido Brasil certas coisas caminham rapidamente e outras não. Parece até trocadilho, já que o assunto do texto é mobilidade urbana.
O mês de junho de 2013 explicitou que a questão da mobilidade e do transporte público é uma ampla disputa política. Tal disputa também envolve novas formas de participação da população, além do voto e de captação de recursos para o Estado, que possam garantir serviços públicos de efetivo acesso universal e de boa qualidade, algo que envolve subsídios.
Assim é em países como Argentina, Chile, México, China, França, Alemanha, Espanha, EUA etc, nos quais o nível de subsídios para a tarifa do transporte público pode chegar a até 60%. No Brasil é de cerca de 15%. Dessa forma, em Buenos Aires trabalha-se 2,6 minutos para pagar uma tarifa e, em Paris, 4,5. Já em São Paulo, uma tarifa é paga com 13,3 minutos de trabalho.
Em 2013, a presidente Dilma chamou os jovens do MPL para ouvir suas demandas e eventuais sugestões. O Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) fez, pelo menos, dois estudos com propostas sobre a questão; a Frente Nacional de Prefeitos fez um conjunto de propostas com o objetivo de subsidiar as tarifas dos transportes urbanos e o projeto do Reitup (Regime de Isenções Tributárias no Transporte Coletivo Urbano) foi votado no Congresso Nacional e sancionado pela Presidência. Alguns “especialistas” estimavam uma redução na tarifa de até 15%.
Enquanto isso, a prefeitura de São Paulo e a Unica (União da Indústria da Cana de Açúcar) pediram à Fundação Getúlio Vargas um estudo sobre a Cide e os subsídios à tarifa de transporte público. De acordo com o estudo encomendado, no caso mais extremo, com aumento da Cide em R$ 0,50 e com o total do tributo revertido para o subsídio às tarifas no território nacional, teríamos cerca de 68% da tarifa subsidiada.
Sendo assim, como o preço do transporte coletivo entra no cálculo inflacionário, esse decréscimo nas tarifas resultaria em uma queda de 1,1 ponto na inflação. Nesse caso, a tarifa atual, de R$ 3,50, cairia para cerca de R$1,12.
Além disso, a Câmara Federal aprovou a PEC 90, da deputada Luiza Erundina, que torna o transporte um direito social nos termos do artigo sexto da Constituição. E a sua sequência, a PEC 74, aguarda que seja colocada em votação pelo presidente do Senado.
Vários movimentos sociais e populares fizeram propostas na mesma direção das institucionais listadas acima. É o caso, por exemplo, do movimento Mobilidade Brasil, que criou propostas envolvendo mudanças tributárias sobre combustíveis – que diferem da Cide. O movimento também propõe mudanças sobre o IPVA, estendendo-o a helicópteros, iates e jatinhos, e a criação de outros impostos, a exemplo de um sobre grandes fortunas.
E então, o que aconteceu? Praticamente nada. E quando acontece algo efetivo, por exemplo no caso da Cide, passa ao largo das reivindicações da Frente Nacional dos Prefeitos. E muito mais longe ainda daquelas da voz das ruas.
A impressão é de que os governos se tornaram gerentes. A palavra gestor é usada e substitui a ideia de governo que governa. E na democracia se deve governar segundo a vontade da maioria da nação.
Pensando bem, quem está fazendo política para valer no país é o MPL, reivindicando políticas de governos, e não de gerência. O resto parece estar “gerenciando”, resta saber para quem.
Lucio Gregori