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Grito do Ipiranga de derrotados se cura na Papuda com band-aid

Ah, como é bom lembrar das curvas das estradas da vida. Melhor ainda é não esquecer que o tempo, como variante universal, passa mais rápido para alguns. Os que fizeram estoques de bandeirinhas, bandeirolas e bandeirões verdes e amarelos não conseguem mais encontrar patriotas disponíveis para neles entuchar seus mastros. Por sua vez, boa parte dos defensores da família, dos bons costumes e do retrocesso está enrustidamente recolhida aos armários, esperando o momento oportuno para dar o Grito do Ipiranga. Não aquele de D. Pedro I, mas o da liberação definitiva de seus desejos inconfessáveis e temporariamente abandonados na penumbra das tendas armadas em frente aos quartéis brasileiros.

Aliás, o termo abandonado só não é pior para os que hoje estão recolhidos na escuridão da Papuda ou da Colméia, presídios masculino e feminino do Distrito Federal, nos quais são obrigados (as) a desnudar as genitálias bambas, enrugadas e engiadas para “colegas” de cela enlouquecidos (as) por carne nova. Eita mundo bão. Dividiram o grupo que odiava quem os amava e, sem olhar a quem, o colocou na jaula de quem ama odiá-los. É assim a lei da vida. E nada como um dia atrás do outro para renovar energias. Sei que nem todos são dias. Tem de tudo por lá. Tem Joões, Marias, Pedros, Paulos, Antônias e Manés. Tem até doutores e os que gritavam por Alá enquanto quebravam os prédios públicos.

Estes são os que mais sofrem quando cai a noite. Acabou o sonho dourado. Restou o amor forçado, o beijo roubado, o sexo desanimado e o gozo obcecado. Como diria o deus do Olimpo, na vida sempre tem os dois lados: o positivo e o negativo. Jogaram no lixo o positivo e, agora, ficou o negativo, que, certamente para alguns, não é tão ruim assim. É o tal do fio terra. Enquanto recolhia informações para sua obra Estação Carandiru, o médico Drauzio Varella viu de tudo naquele abismo paulista. Viu até “casamentos” entre afins. E não havia rompantes homofóbicos, racistas e misóginos.

Era tudo em nome do amor. Sobrava consciência crítica, faltava carnes nobres, mas na despensa sempre havia fartura de picanha e ovos. Eterno construtor de antigamente, o tempo faz sofrer. Eita saudade dos tempos áureos do ketchup e da maionese sem pimenta nos acampamentos da patriotada. Eita saudade que mata, esfola e faz o povo ficar sem cabelo. Como bem disse o escritor Mia Couto, é uma saudade do tipo tatuagem na alma, da qual só nos livramos perdendo um pedaço de nós. Como desse mal eu não morro, sugiro que façam como o mar que, em vez de brigar, abraça o rochedo.

E não importa que Rochedo seja o apelido do xerife da cela ou do pavilhão onde estão recolhidos os patriotas mais raivosos. O intestino aguenta. Uma das máximas mais importantes da vida político-partidária foi inventada por um deputado da direita: “É dando que se recebe”. Também não importa se adentrarem forçadamente no seu sigilo. Tudo é válido quando a causa se refere ao 8 de janeiro. Lembrem-se disso e saibam que quem dá o que é seu não é desprezo. Pode não ser prazer, mas nada que um bom esparadrapo não consiga colar o pregueado solto.

Pelo sim, pelo não, o melhor da vida largada é não esquecer que ela tem curvas, algumas tão sinuosas que deixam profundas e gostosas cicatrizes. Quem sabe as marcas deixadas pelo Rochedão (o xerife da cadeia) no “lombo” dos patriotas possam ser consolidadas pela pontiaguda espada de Xandão (o xerife do Judiciário). Afinal, não há crime mais hediondo do que separar quem nasceu para servir de cobertor de orelha para os mais espertos. Para estes, esse estágio da vida é o mesmo que atingir os píncaros da glória.

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