Diversas cidades brasileiras registraram nesta quinta, 22, manifestações contra a lei do Abuso de Autoridade aprovada na Câmara dos Deputados na semana passada, e que aguarda sanção ou veto do presidente Jair Bolsonaro. As maiores concentrações foram no Rio, São Paulo, Salvador, Recife e Fortaleza. O temor é de que a lei acabe com a Operação Lava jato.
Os atos foram convocados pela Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas), e contou também com representantes da Polícia Federal. O projeto divide opiniões no meio jurídico. Associações de magistrados e promotores são contrárias, mas o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil é favorável.
O texto aprovado pelos deputados elenca cerca de 30 condutas que passam a ser tipificadas como crime, passíveis de detenção, entre elas, pedir a instauração de inquérito contra pessoa mesmo sem indícios da prática de crime, estender investigação de forma injustificada e decretar medida de privação de liberdade de forma expressamente contrária às situações previstas em lei.
O juiz federal Eduardo André, primeiro-secretário da Associação dos Juízes Federais do Brasil, argumentou que cada categoria presente nas manifestações teria sua atuação inibida por ao menos um artigo da lei, que ele afirma ter sido votada sem a discussão adequada.
“Esse projeto estava parado há dois anos e não há nenhum sentido em ser votado em regime de urgência, sem nenhuma discussão e nenhuma transparência com a sociedade”, criticou.
A presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro, Renata Gil, disse que o projeto prejudica o combate ao crime e traz critérios subjetivos, que podem criminalizar o trabalho dos juízes. A juíza frisou que a categoria não é contra modernizar a legislação sobre o tema, mas defendeu que casos de abuso de autoridade são a exceção, e não a regra no Judiciário.
“Fere de morte a independência judicial em um momento de enfrentamento às organizações criminosas e ao crime organizado, especialmente no estado do Rio de Janeiro”, sublinhou.
O presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 1ª Região, Ronaldo Callado, disse que a atuação de juízes do trabalho também pode ser afetada pelo projeto. “O projeto contém expressões abertas que dão margem a muitas interpretações, como exacerbado, indevido, grave. Como definir exatamente o que significam essas palavras?”, questionou. “Não somos a favor do abuso”, acrescentou.
Equilíbrio
Para a Ordem dos Advogados do Brasil, a Lei de Abuso de Autoridade é equilibrada e não traz prejuízos ao combate à corrupção. A ordem divulgou uma nota pública em que afirma que o projeto “inclui tema importante para a advocacia e para a garantia do direito de defesa do cidadão, que é a criminalização da violação das prerrogativas do advogado”.
“Cabe destacar que a proposta aprovada pelo Congresso Nacional vale para todas as autoridades do nosso país, seja do Judiciário, do Executivo ou do Legislativo, e significa a subordinação de todos, inclusive dos mais poderosos, ao império da lei. Trata-se, portanto, de preservar e garantir o direito do cidadão diante de eventual abuso da força por um agente do Estado no exercício das suas funções”, diz a OAB.
Já o jurista Yuri Sahione também defendeu que o projeto de lei trará maior equilíbrio ao exercício das funções públicas. “Tem como mote central restaurar o senso de responsabilidade administrativa daquelas pessoas que exercem função relevante na administração da Justiça”, disse, argumentando que muitas das praticas que vão se tornar crime já não são permitidas pela legislação, mas são descumpridas porque as sanções previstas não trazem consequências para os agentes públicos.