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Guerra do som alto provoca surdez apocalíptica

Essa história aconteceu há muitos anos. Para dizer a verdade, eu havia me esquecido dela, até que a Ninica, a minha filha, me lembrou. Eu nem queria escrever sobre esse ocorrido, mas a minha mulher, a maravilhosa Dona Irene, me obrigou a sentar em frente ao computador e começar a digitar.

Nessa época, eu ainda era funcionário do Banco do Brasil. Entrava às 8 e saía às 14h15. Em seguida, ia direto para a clínica veterinária, onde eu ficava, muitas vezes, até altas horas da noite. Isso de segunda a sexta. Além disso, eu também trabalhava na veterinária aos sábados o dia inteiro e, pasmem, inclusive aos domingos, na parte da manhã.

Aliás, foi nessa época que escrevi o meu primeiro romance, “Despido de ilusões”, além de outros textos. Como você pode perceber, a minha vida era muito corrida. No entanto, como um antigo colega da Rural (UFRRJ), o Márcio, costumava dizer, para mim era até fácil, já que o meu dia tinha 25 horas.

Pois bem, lá estava eu naquele fatídico domingo, depois de chegar em casa, tomar banho e, finalmente, sentar no sofá para almoçar. Nem me lembro de ter dado a primeira garfada, pois acabei adormecendo com o prato de comida no colo. De repente, acordei assustado e joguei o prato pro alto. Foi farofa pra todo lado. Uma gritaria louca vinda justamente da casa em frente à minha. Ainda ressabiado, me levantei e fui ver o que era. Não é que a vizinha resolveu transformar a sua residência em uma igreja?

Não sou de arrumar confusão com ninguém. Por isso, fechei todas as janelas para abafar ao máximo aquela histeria religiosa. Mas que nada! Do jeito que aquele povo gritava, até pensei que Deus precisa arrumar um aparelho pra surdez o mais rápido possível. Seja como for, tomei coragem e fui tentar conversar com a minha vizinha, que nem deu bola para as minhas queixas. Ela simplesmente me disse: “Irmão, venha ouvir a palavra do Senhor!” Eu apenas consegui pensar em uma coisa, mas não tive coragem de dizer: “Ô, sua doida, do jeito que vocês estão gritando, ninguém consegue mesmo ouvir as palavras Dele!”

Voltei para a minha casa e, juro, tentei controlar meus ímpetos assassinos. Eu me joguei no sofá e coloquei duas almofadas nas minhas orelhas. Nada abafava aqueles berros! Diante dessa situação, resolvi fazer algo que não recomendo a ninguém. Coloquei o aparelho de som na varanda, justamente virado para a igreja da minha vizinha. Agora era guerra! Peguei um velho disco do Raul Seixas, escolhi uma música bem apropriada para aquela ocasião; “O Diabo é o pai do rock”. Foi um festival de mísseis de Deus de lá, uma verdadeira bomba atômica do Capeta daqui. Até que acabei adormecendo com toda aquela barulheira. É que, quando fico estressado, me dá um sono tão intenso, que não há santo que me acorde.

Acordei todo lânguido e faceiro bem cedo no dia seguinte, fui trabalhar no Banco do Brasil como de costume. Depois fui para a clínica, onde um cliente me contou a fofoca que estava rolando na quadra. Não sou curioso, mas isso não o impediu de me contar. Pois bem, ele me falou para eu tomar cuidado com um cara doido, cheio de farofa no cabelo, e que gostava de fazer oferenda ao Diabo. Creio que eu devo ter ficado tão envergonhado com essa história, que a apaguei da memória até que a Ninica, rindo muito, a trouxe de volta. Aliás, ela também me disse que, desde aquela época, se tornou fã do Raul.

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