A continuação da Guerra Fria 1.0 criou uma série de ameaças e provocações contra a Europa e, em particular, contra a Rússia. Hoje, especialistas insistem em que uma nova Guerra Fria está em curso: alguns dizem que é continuação da anterior; outros que inclui um fenômeno qualitativamente novo, o que justifica defini-la como Guerra Fria 2.0.
Os que propõem a teoria de uma nova Guerra Fria (2.0) argumentam que a atual crise tem realmente nova dimensão, que o padrão anterior da Guerra Fria 1.0 morreu oficialmente em novembro de 1990, quando nações europeias decretaram solenemente seu final oficial, na Carta para uma Nova Europa, assinada em Paris.
Pessoalmente, sou de opinião que a Guerra Fria 1.0 terminou em 1990 – pelo menos entre as maiores potências globais e pelo menos politicamente. A diferença radical entre as Guerras Frias 1.0 e 2.0 é que a primeira teve dimensão global, e a segunda ocorre, realmente, em modo bilateral: entre EUA e Rússia, e Otan e Rússia.
Mas infortunadamente, uma nova Guerra Fria 2.0 emergiu em 2014 – 24 anos depois do fim da primeira. É per se um grande desafio-ameaça contemporâneo para a Europa. Apareceu muito depressa e intencionalmente, embora alguns fatores objetivos e reais tenham criado terreno sólido para esse renascimento. Apesar do fim da Guerra Fria 1.0 há quase 24 anos, as velhas linhas divisórias permaneceram discerníveis.
Quais são as grandes “velhas” provocações e ameaças?
Primeiro, aconteceu vasto aumento da Otan, que cresceu em direção ao leste: do fim da Guerra Fria 1.0 até o início da Guerra Fria 2.0, o número de membros daquela Aliança quase dobrou (de 1999 até 2009, 12 estados – 43% do número total de membros – foram acrescentados à lista). Mais importante que o número de estados até hoje é que a Otan continua empenhada nessa expansão: há mais quatro estados na lista de espera, dentre os quais a Geórgia e a Ucrânia. Robert Pzschel, representante oficial da Otan, confirmou, no final de outubro, que ambas, Geórgia e Ucrânia, podem vir a tornarem-se membros-plenos da Otan. O novo secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg em seu discurso de posse, dia 1º de outubro, disse que a Aliança assinara acordos com Finlândia e Suécia que lhe permitiriam cooperação mais íntima com o bloco militar ocidental.
Dia 15 de outubro, em discurso no Simpósio da Associação do Exército dos EUA [orig. Association of the US Army (AUSA) Symposium], Chuck Hagel, do Pentágono, criticou a Rússia por levantar-se no caminho, ‘às portas’ da Otan, impedindo o avanço da Otan. Como se a Rússia estivesse caminhando todos os dias para oeste, para mais perto das ‘portas’ da Otan. A realidade é o contrário disso: a Aliança Atlântica, desde o dia em que foi constituída, só faz caminhar todos os dias, cada vez para mais perto da Rússia, para as portas da Rússia. O ministro russo da Defesa Sergey Shoigu disse que essa declaração de Chuck Hagel é prova de que os EUA estão preparando um cenário para ações militares próximas às fronteiras da Rússia.
A verdade é que os EUA sempre se esforçaram muito para manter “robustas forças avançadas de modelagem” [orig. “robust shaping forces forward”], como o vice-secretário de Defesa dos EUA Bob Work admitiu no Conselho de Relações Exteriores [orig. Council on Foreign Relations], em Washington, D.C., dia 30 de setembro, mesmo num momento em que o Pentágono combatia em duas grandes guerras – no Iraque e no Afeganistão. A expressão “forças avançadas” [orig.”forces forward”] é terminologia norte-americana para designar “forças avançadas alocadas permanentemente” nas bases norte-americanas de além-mar; e “forças avançadas alocadas rotativamente” [orig. “rotationally forward-deployed forces”] espalhadas pelo planeta: 80 mil no Pacífico; 20 mil na Coreia do Sul; 40 mil sob ordens do Comando Central; 28 mil na Europa, mais na África, na América Latina, etc. Hoje, como disse Chuck Hagel no Simpósio da AUSA, há soldados norte-americanos alocados ou “avançados” em quase 150 locações em todo o mundo. Não apenas “às portas” de vários países, mas, na realidade, diretamente em solo de outros países.
Segundo, os EUA retiraram-se unilateralmente, em meados de 2002, do Tratado Antimísseis Balísticos [orig. ABM Treaty] – tratado que, para todos os governos anteriores dos EUA, havia sido a “pedra basilar da estabilidade estratégica global”.
Terceiro, as decisões, dos presidentes Clinton e Obama de instalar um Sistema Global de Mísseis Balísticos de Defesa [ing. BMDS] mirado contra vários estados: as etapas básicas desse movimento são: em dezembro de 2002, a Diretiva Presidencial sobre instalação “limitada” do BMDS; em fevereiro de 2005, a criação do Comando Conjunto Funcional dos EUA para Defesa de Mísseis Integrados [orig. US Joint Functional Command for Integrated Missile Defense]; em fevereiro de 2007, os EUA apresentaram oficialmente os detalhes para o BMDS na Polônia e na República Checa; e em setembro de 2009, Barack Obama anunciou o plano US EPAA BMD.
Quarto, o início da primeira fase da implantação da Abordagem Adaptativa em Fases, para a Europa (EPAA) em 2011, e o lançamento das capacidades preliminares no mesmo processo, continuação da 2ª fase e promessa de ter as quatro fases operantes a partir de 2022 e daí em diante.
Quinto, uma decisão tomada por Washington, em 2010, de base ampla, para modernizar as armas do arsenal nuclear tático dos EUA, o chamado tipo B-61, inclusive as armas alocadas em quatro países da Europa e na parte asiática da Turquia, ao mesmo tempo em que se ampliam as capacidades de penetração daquelas armas para atingir alvos reforçados.
Sexto, essa provocação está conectada ao problema do Tratado das Forças Convencionais na Europa [ing. Conventional Forces in Europa Treaty, CFE-1] e sua versão adaptativa CFE-1A] que deixou de facto de ser vigente em 2007, porque todos os membros da Otan que participaram das negociações daqueles acordos recusaram a ratificá-lo e a definir a expressão-chave “forças convencionais substanciais”.
Sétimo, a Otan posicionou-se ao lado da Geórgia quando atacaram a Ossétia do Sul, em agosto de 2008 (Operation “Empty Field” [Operação Campo Vazio]).
Oitavo, pela primeira foi criada a “tríade de Chicago” – “uma mistura apropriada de armas de defesa nucleares, convencionais e mísseis”, na Reunião da Otan em maio de 2012, em Chicago, e foi confirmada em recente reunião da Otan realizada em setembro passado em Newport, no Reino Unido.
E finalmente, o nono desafio-provocação-ameaça: em fevereiro de 2014, os EUA organizaram e executaram golpe de estado (inconstitucional) na Ucrânia, que pôs no poder em Kiev um regime ultranacionalista e anti-Rússia, que já praticou massivos crimes de guerra contra cidadãos pacíficos no Donbass – que são, de facto e de jure, cidadãos ucranianos – usando armamento pesado, inclusive MRLS “Grad”, “Smerch” e “Uragan”, bombas de fósforo branco e bombas de fragmentação (proibidas por duas Convenções Internacionais). A Human Rights Watch já identificou como bombas de fragmentação o material empregado em outubro, por tropas ucranianas, contra civis pacíficos. Esses crimes cometidos por militares são crimes contra a humanidade e já mataram cerca de 4 mil pessoas, com mais de 9 mil feridos no Donbass nos últimos seis meses, como reconheceu o Gabinete do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos, em Relatório divulgado dia 8 de outubro.
As hostilidades que Kiev introduziu geraram resultados negativos: o comportamento de agressão de Kiev levou grande número de pessoas a fugir daquela área (280 mil moveram-se para outras áreas da Ucrânia; e quase 900 mil refugiaram-se na Rússia. Apesar do Acordo de Cessar-Fogo anunciado em Minsk dia 5 de setembro e reiterado dia 19 de setembro, as tropas de Kiev continuam a violar sistematicamente esses importantes acordos: mais 330 morreram depois de anunciado o cessar-fogo. Depois do cessar-fogo, tropas regulares de Kiev e formações irregulares já praticamente já se reorganizaram no sudeste. As potências ocidentais continuam a agir ilegalmente, de um modo que estimula e encoraja o governo de Kiev a só procurar soluções militares para aquele conflito, que só podem levar a um beco sem saída.
O custo da violência militar de Kiev contra o resto da Ucrânia pesará muito sobre as áreas sitiadas de Donetsk e Lugansk, com os danos causados pela guerra já estimados pelos combatentes da resistência na Novorússia, na primeira semana de outubro, em cerca de US$ 1 bilhão. Esse número é bem semelhante ao que Kiev divulgou. Segundo os números do governo da Ucrânia, serão necessários US$ 911 milhões para reconstruir as cidades no Donbass destruídas pela guerra. 65% dos prédios residenciais e moradias e 10% das escolas e jardins de infância foram destruídos no Donbass. O exército da Ucrânia não criou zonas desmilitarizadas com o Donbass. 40 mil empresas de médio porte na região pararam de funcionar. O nível de desemprego na Ucrânia alcançou 40% da força nacional de trabalho. Atualmente, a dívida externa da Ucrânia já alcança algo entre US$ 35 e US$ 80 bilhões. Kiev não pode pagar pelo gás que compra, porque gastou demais em guerra contra o próprio povo. Como já disse a ex-premiê ucraniana Iúlia Timochenko, a corrupção pós-Maidan já ultrapassou a corrupção pré-Maidan.
Por causa do movimento do exército ucraniano na direção do sudeste do país em abril, a região passa por severa catástrofe humanitária, com muitos cidadãos forçados a lutar para sobreviver sem água limpa, eletricidade e outros itens necessários à sobrevivência básica.
Um novo relatório da ONU sobre a situação dos direitos humanos na Ucrânia, distribuído no início de outubro, diz que há violações continuadas das leis humanitárias, por grupos e batalhões de voluntários armados controlados pelas forças armadas ucranianas.
No período relatado, a lei humanitária, incluídos os princípios militares de necessidade, diferenciação, proporcionalidade e precauções tem sido continuadamente violada por grupos armados e algumas unidades de batalhões voluntários sob o controle das forças armadas ucranianas – diz o Relatório.
A quarta vala comum foi encontrada numa vila no leste da Ucrânia. A vala foi descoberta poucos dias depois de a Missão de Monitoramento da Organização de Segurança e Cooperação da Europa (OSCE) ter confirmado a descoberta de três covas para enterro em massa, em áreas que as forças de Kiev abandonaram recentemente. No total foram encontrados mais de 400 cadáveres, vários dos quais mostrando ferimento de bala na cabeça, com características de execução à queima-roupa.
Infelizmente, muitas ONGs europeias e internacionais muito conhecidas fingem que não veem essas grandes violações de direitos humanos na Ucrânia. Os prisioneiros de guerra devolvidos ao Donbass pelas autoridades ucranianas chegam em condições físicas terríveis, não raro sem qualquer documento de identidade. Kiev frequentemente prende gente inocente pelas ruas, para exibir aquelas pessoas como “rebeldes” e oferecê-las como prisioneiros de guerra reais, em trocas de prisioneiros com o lado oposto.
Outra provocação relacionada à Ucrânia: as autoridades ucranianas continuam a impedir que especialistas malaios visitem o local onde caiu o avião MH17, impedindo assim qualquer exame objetivo na área da queda e escondendo todas as provas de que a área foi intencionalmente e diretamente bombardeada depois da queda do avião, dia 17 de julho, para destruir provas que houvesse do crime que ali foi cometido. O desafio-provocação, nesse caso, é que, até agora, não há qualquer investigação séria em andamento. As Forças Armadas da Ucrânia impedem ininterruptamente que equipes internacionais de investigação visitem o local em que o avião caiu. Kiev, de fato, trabalha para esconder verdade já conhecida, para que não se possa provar o que muitos já sabem: que a Força Aérea Ucraniana derrubou, deliberadamente, aquele avião. Um magnata ucraniano, Igor Kolomoiskiy, que é também governador da Região Dnepropetrovsk, confessou recentemente que as Forças Armadas Ucranianas estavam tentando destruir outro avião de passageiros no dia 17 de julho, quando, “sem intenção”, nas palavras dele, derrubaram o Boeing 777 da companhia malaia, matando quase 300 passageiros.
Há ainda outro fator relacionado à Ucrânia: a disseminação massiva de ideologia fascista ultranacionalista de linha duríssima hostil a não ucranianos e pessoas de outras nacionalidades. O principal e mais grave risco nesse caso é que uma geração de jovens ucranianos está ativamente envolvida nos processos de disseminação e absorção dessas ideologias, que recebem apoio e incentivo, além do consentimento, das supremas autoridades do governo da Ucrânia. Glorificação de nazistas alemães e o reconhecimento, como veteranos de guerra, do Exército Ucraniano Insurgente [orig. Ukrainian Insurgent Army (UPA)] na Ucrânia, acusado pela prática de crimes de guerra, inclusive de assassinatos em massa de judeus e de poloneses na Ucrânia, é sinal alarmante para a Europa que tanto sofreu nas mãos dos nazistas, na Segunda Guerra Mundial.
Infelizmente, nenhuma nação europeia, nem EUA ou Canadá, denunciaram o evento desse reconhecimento. É como se o remédio gerado para combater e erradicar o “vírus do fascismo” – remédio produzido pelo Tribunal de Nuremberg em 1945-1946 – já tivesse perdido qualquer eficácia no momento pelo qual a Europa passa hoje.
Quais as implicações potenciais desses nove problemas-desafios-ameaças-provocações listados acima?
Depois de 2014 a segurança e a estabilidade da Europa, considerada como um todo, deixaram, de fato, de existir – sem espaço para qualquer aprimoramento nem para o curto nem para o longo prazo. Eis por que está sendo fechada a janela de oportunidades para que se construa qualquer pouca e pequena confiança, que seja, que unifique toda a Europa. A Europa ligada por laços de confiança que a unificaram é capítulo definitivamente encerrado na história europeia contemporânea.
Quem é responsável por lançar a Guerra Fria 2.0 e novas ameaças e provocações-desafios?
O otimismo ocidental associado ao final da Guerra Fria 1.0 foi muito exagerado. Na verdade, só emergiu uma “Paz Fria” na Europa, entre a Guerra Fria 1.0 e a Guerra Fria 2.0. EUA e Otan supuseram, erradamente, que o crescimento militar de ambos durante esse período permaneceria invisível ou que seria interpretado como entertainment inocente.
Assim sendo, a Nova Guerra Fria é o principal desafio-provocação e a mais grave ameaça que se ergue hoje contra a estabilidade e a segurança da Europa.
A Nova Guerra foi intencionalmente iniciada pelo presidente Barack Obama, por razões óbvias: para aumentar a margem de gastos militares para a Otan; para criar mais estados pró-“Ocidente” em torno das fronteiras do território russo; para derrubar o presidente da Rússia; para minar o potencial militar e econômico da Rússia; e para arruinar a segurança e a economia da Europa – principal concorrente econômico dos EUA. Infelizmente, todos os 28 estados-membros da Otan e da União Europeia abraçaram a mesma escolha do presidente Obama. Hoje, essa nova guerra já está plenamente em curso.
A União Europeia, no que pese a “tendência” a seguir Washington, tem voz que se pode fazer ouvir e tem potencial para agir com independência. Mas são voz e potencial que permanecem quase totalmente inúteis. É muito triste, porque a União Europeia, se falasse pela própria voz, poderia adicionado equilíbrio real nas discussões e nos esforços internacionais para resolver vários problemas.
A Guerra Fria 2.0 e suas ameaças e provocações, é fator de deterioração global, porque promovem a deterioração do clima político, militar, econômico e financeiro. E está muito próxima da terra russa. Afeta muitos países europeus. Afeta a Federação Russa. Como o prof. Stephen Cohen, norte-americano de visão ampla e cabeça aberta, disse em encontro internacional no verão passado em Washington: “O epicentro da Nova Guerra Fria não está Berlim, mas junto às fronteiras russas, na Ucrânia, região absolutamente essencial, na visão de Moscou, para a segurança global e, até, para a sobrevivência da civilização russa”. A Guerra Fria 2.0 traz, de fato, seus próprios novos desafios-provocações e ameaças, com impacto orientado para incidir sobre o futuro.
Novas provocações-desafios e ameaças, no controle de armas?
A Guerra Fria 2.0 já congelou completamente o processo de controle de armas. Durante a Guerra Fria 1.0, EUA, União Soviética e Rússia firmaram vários acordos bilaterais e multilaterais no campo do controle da corrida armamentista (7 acordos para limitação e redução de armas estratégicas ofensivas [Strategic Offensive Arms (SOA)]; acordos para desassociar mísseis nucleares e respectivos alvos; os tratados INF e Open Skies; o Tratado CFE, etc.). Hoje, o processo de controle de armas entre EUA/Otan e Rússia está completamente paralisado, sem chances imediatas de qualquer tipo de ressurreição. Há 15 questões não resolvidas entre Moscou e Washington – em algumas áreas de importância capital. São todos, ao mesmo tempo, ameaças, provocações e desafios à estabilidade regional e global.
Dentre eles: o deslocamento/realocamento de mísseis norte-americanos de defesa; conversão dos submarinos estratégicos norte-americanos equipados com mísseis balísticos com ogivas nucleares (US SSBN), em submarinos estratégicos norte-americanos equipados com mísseis cruzadores (US SSGN); nenhum empenho dos EUA para contar as ogivas estratégicas ofensivas armazenadas na reserva ativa dos EUA; os EUA sistematicamente descartam qualquer proposta para controlar mísseis cruzadores portadores de ogivas nucleares lançados do mar (US SLCM); os EUA ainda têm armas nucleares táticas estacionadas na Europa (fora, portanto, de território norte-americano); os EUA não têm qualquer intenção em ampliar a aplicação do acordo INCSEA (para prevenção de incidentes no mar) de modo a que inclua submarinos movidos a energia nuclear (até hoje, já foram relatadas 12 colisões entre submarinos movidos a energia nuclear dos EUA e da URSS/Rússia); os EUA ainda mantêm doutrina nuclear ofensiva baseada na “contenção” nuclear em geral e da “contenção” nuclear estendida – com “regras” sobre primeiro ataque, ataques preventivos e para impedir retaliação; os EUA não manifestam qualquer intenção em redigir acordo CFE qualitativamente novo (CFE-2); os EUA não manifestam qualquer desejo de firmar qualquer acordo PAROS (para impedir que se instalem armas no espaço sideral); os EUA não têm qualquer plano para assinar algum acordo ASAT (acordo antissatélite); os EUA violam o Tratado INF sempre que, para testar mísseis interceptadores de defesa, usam mísseis balísticos de médio alcance (1.000-5.500 km) e mísseis balísticos de “alcance intermediário” (3.000-5,500 km); os EUA e a Otan estão mantendo a Operação da Força Aérea “Policiamento Aéreo do Báltico” por 24 horas/dia, 365 dias/ano com aeronaves de dupla capacidade [DCA, dual-capable aircraft], que podem transportar bombas atômicas de queda livre; Washington continua a escapar da ratificação do Tratado para Banimento Amplo de Testes [CTBT (Comprehensive Test Ban Treaty)] – 18 anos depois de o tratado ter sido assinado; os EUA não querem limitar o uso de veículos aéreos comandados à distância [UAVs (unmanned aerial vehicles)] armados e continuam a usá-los contra civis, especialmente no Paquistão, Afeganistão e outras nações; e, finalmente, os EUA recusam-se a impor limites ao lançamento de armas convencionais hipersônicas de acuidade máxima, a serem lançadas dentro da estratégia de “Rápido Ataque Global” [“Prompt Global Strike”].
Perigos que se consumarão nos próximos vários anos, se não forem contidos.
Nas forças nucleares: Os EUA completarão a substituição de sua tríade tradicional de armas estratégicas ofensivas (strategic offensive arm (SOA)] – criarão novos [mísseis] ICBMs, SLBMs e novos bombardeiros estratégicos pesados. As suas ogivas serão modernizadas. Será desenvolvido novo combustível para os novos mísseis ICBMs, serão criados motores mais potentes para os novos mísseis ICBMs e SLBMs e aumentará a capacidade para atingir alvos predefinidos. O Pentágono tem planos para desenvolver novo míssil cruzador lançado do ar ALCM e para converter submarinos nucleares lançadores de mísseis balísticos (SSBNs) em submarinos nucleares lançadores em mísseis teleguiados (SSGNs) (4 submarinos da classe “Ohio” já foram convertidos). Há intenções de longo alcance dentro do Pentágono para modernizar o arsenal ofensivo estratégico até o final do século 21, e o arsenal nuclear tradicional pelo menos até 2075.
A rotação de forças pela Europa Ocidental para exercício ganhará padrão de rotina. A Otan montará a Spearhead Force [Força Ponta de Lança], – de modo que suas tropas mantenham-se em permanente estado de prontidão, para ação “em questão de dias”. No próximo mês de fevereiro, ministros de defesa da Otan definirão o design, a composição e o tamanho dessa “Força Ponta de Lança”.
Os EUA abriram oito novas bases militares na Europa: incluindo duas bases navais na Bulgária e na Romênia, e seis bases aéreas na Bulgária, Estônia, Lituânia, Romênia e Polônia. E dois novos centros C3I da Otan serão inaugurados na Polônia e na Lituânia. Os EUA usam áreas continentais europeias para instalação de seus sistemas de mísseis balísticos de defesa, e também as áreas para as quais a Otan se desloca, cada vez mais para leste. Em breve serão abertas mais duas bases de sistemas de mísseis balísticos de defesa – na Romênia e na Polônia. Sem dúvida, essas bases, ou quaisquer outras, serão automaticamente posicionadas como alvos pelos sistemas de mísseis balísticos de defesa e outros sistemas de armas russos.
A deterioração do relacionamento da Rússia com a aliança da Otan, sobretudo no que tenha a ver com a crise ucraniana, deixou muito obviamente evidente a inabilidade da aliança para alterar o código genético político-militar que a aliança incorporou durante a era da Guerra Fria 1.0. As capacidades militares da Otan, que se acumularam nas vizinhanças da terra e dos litorais da Rússia pode ser tomada como demonstração de intenções hostis e esquema de projeção provocativa de poder. Na verdade, foi a Otan quem se moveu até se plantar “às portas” da Rússia.
Mais uma provocação-desafio: acusações hostis e retórica de provocar guerra
Declarações hostis saídas da Casa Branca e dirigidas à Rússia, como “dar uma lição [à Rússia]”, “Rússia pagará caro pela intervenção militar na Ucrânia”, “anexação da Crimeia” e, finalmente, que a Rússia ficaria em segundo lugar [como graves perigos] entre o ebola (o vírus) e o Estado Islâmico”, como Barack Obama disse em recente sessão da Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2014, são absolutamente sem qualquer fundamento. Vladimir Putin respondeu de forma perfeitamente clara: esse tipo de abordagem, associada às sanções é “comportamento hostil”.
Moscou jamais promoveu qualquer intervenção militar, nem na Crimeia nem no Donbass, embora tenha havido muitas vozes a pedir que a Rússia enviasse contingentes militares para as Repúblicas Populares de Donetsk e de Lugansk. Quanto à Crimeia, sempre houve tropas russas lá estacionadas, desde muito antes de a República da Crimeia tomar a decisão de solicitar sua reintegração à Federação Russa – aquelas tropas lá estavam sob vários tratados bilaterais assinados entre Rússia e Ucrânia sobre a permanência ali da Frota do Mar Negro, e jamais excederam o número limite de 25 mil homens. A reintegração da Crimeia à Rússia cumpriu-se sem que se disparasse sequer um tiro. A Crimeia já foi russa (desde 1783) e será terra russa para sempre. Jamais, em tempo algum, será “dada” a quem for, como presente ou incentivo para expandir “laços de amizade”.
A Rússia não aceitará em nenhum caso a palavra “anexação”. Depois da dita “anexação”, só 3.500 crimeanos optaram por mudar-se para a Ucrânia, por livre e espontânea vontade. Por outro lado, praticamente todos os soldados e policiais ucranianos que serviam na Crimeia optaram por servir às Forças Armadas Russas. Essa reintegração da Crimeia à Rússia aconteceu pacificamente, como efeito de referendo democrático realizado na Crimeia em março passado.
Para Washington, a coisa mais fácil a fazer seria reconhecer a reintegração da Crimeia à Rússia. Mas entre os dois estados – Ucrânia e Rússia – Washington infelizmente optou um estado falhado, imprevisível, perigosamente ultranacionalista, estado cujas declarações são mentiras integrais, do começo ao fim, estado que rouba gás e carvão pelos quais não pode pagar e que não paga, tampouco, créditos e empréstimos que receberam antes de começarem a roubar gás e carvão.
Quanto aos desenvolvimentos no Donbass, não é preciso mandar para lá tropas russas, simplesmente porque o número de combatentes que operam ali a favor da liberdade e da democracia é suficiente para repelires o genocídio que Kiev tenta consumar mediante sua “Operação Antiterror”. A Rússia jamais ocupou sequer uma polegada de terra ucraniana e não tem qualquer intenção de fazê-lo. É verdade: dez militares russos perderam-se numa estrada, certa vez, e apareceram em território da Ucrânia. Teria sido a “agressão” de que alguns falam?
Não houve luta. Os dez voltaram à Rússia. Se isso foi “agressão”, que nome se dá quando 460 soldados ucranianos cruzaram a fronteira da Rússia em vários grupos? “Mega agressão”?
Os dramáticos desenvolvimentos na Ucrânia revelaram crise em grande escala em termos da legislação internacional, das normas básicas da Declaração dos Direitos Humanos e da Convenção para Prevenção e Punição do Crime de Genocídio. Temos visto numerosas violações dos artigos 3, 4, 5, 7 e 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU, de 1948; e do artigo 3 da Convenção para Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, do dia 9 de dezembro de 1948.
Mais um desafio-provocação: sanções econômicas e financeiras
Há também sanções econômicas e financeiras contra a Rússia e contra vários altos funcionários do governo russo, em número superior, hoje, a medidas restritivas similares que já se aplicaram contra a União Soviética no passado – por conta do envolvimento dos soviéticos no Afeganistão –, ou contra a Rússia, quando a Geórgia atacou a Ossetia do Sul, em 2008.
A Rússia não compreende por que essas sanções foram introduzidas. Moscou nada fez de errado para ser castigada. Ao mesmo tempo, cresce entre os russos a clara convicção de que as sanções de estilo colonialista que o ocidente aplica à Rússia contribuem com pouco ou nada para resolver a crise ucraniana. Os verdadeiros objetivos dessas restrições são alterar e reformatar a Rússia; levar a Rússia a mudar suas posições em questões internacionais chaves que são as mais fundamentais para os russos e obrigar a Rússia a aceitar as inaceitáveis visões do ocidente. “É ainda o pensamento do século passado, de épocas passadas, pensamento colonialista combinado com inércia” – disse Sergey Lavrov, ministro de Relações Exteriores da Rússia, dia 19 de outubro. É improvável que essas sanções demovam a Rússia de suas posições atuais. E quanto mais sanções anti-Rússia se criem, mais forte o apoio que o Ocidente estará dando a Kiev e mais estarão “aos tropeços, rumo a um desastre” [orig “Blundering Into A Disaster”], como se lê no título que Robert McNamara, ex-secretário de Defesa dos EUA, deu a suas conhecidas memórias.
O presidente Vladimir Putin chamou recentemente de “perfeita tolice” as atuais medidas econômicas e financeiras ocidentais, e acrescentou que não causariam qualquer dano aos programas sociais e econômicos do estado russo. 94% dos russos disseram que não temem as sanções dos EUA e da União Europeia e tolerarão qualquer efeito negativo que as sanções por acaso venham a gerar. Para os russos, as tais sanções não são “nem quentes demais nem frias demais”, como disseram. O Banco Central Russo admitiu que as sanções ocidentais afetaram apenas a atividade operacional de alguns bancos russos, mas que não tiveram qualquer impacto negativo mais amplo. Pelo contrário, até aumentou a confiança dos clientes nos Bancos “Rússia” e SMP que foram incluídos nas sanções: os depósitos aumentaram em cerca de 20%. Mas as sanções estão afetando gravemente as próprias fundações do comércio mundial, as regras da Organização Mundial do Comércio e o princípio da inviolabilidade da propriedade privada.
As sanções não produzirão qualquer efeito profundo sobre a economia da Rússia, como supuseram os que inventaram as sanções. A produção industrial da Rússia nos últimos oito meses aumentou cerca de 2,5% (ano passado, o produto industrial crescera apenas 1,5% no mesmo período). Ano passado, a agricultura russa cresceu apenas 2,5% durante os primeiros oito meses do ano; esse ano, tivemos crescimento de 4,9% no mesmo período. Esse ano, o orçamento russo mostrou superávit de mais de 1 trilhão de rublos, cerca de 200 bilhões de euros. E a Rússia mantém suas reservas de US $ 450 bilhões em ouro e em moedas fortes.
Mas as sanções ocidentais são, isso sim, faca de dois gumes: até agora, os países europeus já perderam US$ 1 trilhão, desde a imposição das sanções contra a Rússia. À parte as óbvias consequências econômicas, as sanções da UE contra a Rússia têm implicações políticas danosas contra os próprios europeus. Sabe-se, claro, que as sanções também tiveram algum efeito danoso, limitado, sobre a economia russa. Mas no mesmo período, a economia europeia sofreu muito. Muitas empresas europeias de vários ramos industriais vinham cooperando com a comunidade empresarial russa. Depois que as sanções foram introduzidas, aquela cooperação tornou-se impossível, e os investimentos de parceiros ocidentais na Rússia podem não gerar os resultados antes previstos. Não há dúvidas de que as empresas que mais sofreram foram os pequenos e médios negócios que se organizaram em toda a Europa e orientados diretamente para aquela cooperação com a Rússia. Claro que essas falências levarão a demissões em massa em praticamente todos os países europeus. E, resultado disso, é possível que se observe crescimento no desemprego, descontentamento em massa contra políticas do estado e queda nos índices de confiança entre a população.
Nos últimos anos, condições assemelhadas parecem ter levado às chamadas “revoluções coloridas” ou “revoluções provocadas por caos controlado” em vários países. Hoje, o que se vê é que começam a configurar-se mais ameaças contra a segurança na Europa.
As sanções ocidentais voam como bumerangues. Por exemplo, a Polônia introduziu sanções contra a Rússia e imediatamente perdeu acesso ao gigantesco mercado russo consumidor de maçãs: há muitos anos a Polônia vende anualmente à Rússia 900 mil toneladas de maçã, 90% de todas as maçãs que a Polônia exportava. Atualmente, a Rússia está comprando maçãs da Sérvia, Nova Zelândia e África do Sul. A indústria polonesa de industrialização de maçãs está em ruínas: foi arruinada pelos próprios poloneses. As sanções fizeram os preços caírem alucinadamente: ninguém quer comprar maçãs polonesas nem a 10 centavos de euro o quilo.
Outras sanções ocidentais são irrelevantes, como a sanção introduzida contra Nikolai, de 10 (dez) anos, filho do presidente Aleksander Lukachenko de Belarus; ou contra a deputada russa Elena Mizulina, que se opõe ao casamento homoafetivo. Há também sanções cômicas, como as que foram impostas a um cavalo que vive num estábulo que pertence ao presidente checheno Ramzan Kadyrov.
Embora até aqui o impacto do conflito na Ucrânia tenha sido relativamente contido, qualquer escalada gerará, com certeza, efeitos negativos, tanto regionalmente como globalmente.
Novo pacote de sanções foi introduzido pelos EUA contra a Rússia, como tentativa primitiva de “vingar-se”, num momento em que a situação na Ucrânia não se desenvolve conforme o cenário que Washington rabiscou atrabiliariamente.
Para seja qual for a finalidade, é inútil tentar falar com a Rússia na língua das sanções. Na atmosfera em que se cozinham precipitadamente massivas sanções ocidentais anti-Rússia, Moscou tem o direito de impor ininterruptamente suas próprias sanções contra os EUA, em qualquer e em todos os domínios, como resposta. Mas, como se pode ver, Moscou não respondeu com sanções às nações que decidiram começar por usar sanções, e sem nenhum motivo real.
Kiev, para começar, em vez de pagar dívidas conhecidas e assumidas, abarrotou a Corte de Arbitragem de Estocolmo com montanhas de arquivos irrelevantes e de origem suspeita, e iniciou várias ações contra a Rússia. Em termos gerais, pergunta justa é:
“Como é possível alguém falar em des-escalar a situação na Ucrânia, enquanto, simultaneamente, os mesmos que inventam novas e novas sanções contra a Rússia também assinam acordos de paz que jamais cumprem?”
A Ucrânia ainda não pagou por 11,5 bilhões de metros cúbicos de gás que comprou da Rússia, e por 100 mil toneladas de carvão que comprou da Polônia. Somadas com dívidas anteriores, a Ucrânia deve um total de US$ 9,8 bilhões à Rússia. Nada desse dinheiro foi pago até agora. E a Rússia não é organização de caridade, para continuar a fornecer gás gratuito à Ucrânia, sem esperar pagamento. De 1991 a 2014, a Rússia deu à Ucrânia cerca de US$ 200 bilhões. Isso tudo prova que a Ucrânia já é, hoje, comprador extremamente suspeito e perigoso, para toda a economia mundial. Como disse Robert Fico, Primeiro-Ministro da Eslováquia, em outubro de 2014:
“Algo me diz que a Ucrânia está esperando de outros, não dela mesma, a solução de suas dificuldades.”
Justo seria, isso sim, que as atuais sanções tivessem sido forçadas contra o atual governo da Ucrânia, pelas atrocidades que cometeu contra seus próprios cidadãos; e pelas muitas evidências de que a Ucrânia nunca foi e jamais será contraparte econômica e financeira confiável. Impor sanções é resultado de desacordos políticos. Se a Rússia, a UE e os EUA tivessem imposto sanções contra a Ucrânia, Kiev talvez tivesse posto fim à prática de seus muitos crimes de guerra massivos, no sudeste, contra a própria população ucraniana.
Mas a política de sanções tem, sempre, caráter contraproducente. Quando se impõem sanções, não há vencedores. E, nesse caso especial, a Rússia está de um lado; e EUA, Europa e outros estados pró-ocidente estão do lado oposto.
Obviamente, alguém vai sofrer mais, outros sofrerão menos. Os EUA, distantes da Rússia em termos geográficos, está conduzindo uma política externa “norte-americanista” e independentemente da política externa da UE. Ao mesmo tempo, porque optou por confrontar a Rússia econômica e politicamente, a Casa Branca exige que a Europa a apoie; ao fazê-lo, a Casa Branca empurra os estados-membros da UE para uma posição muito precária.
Como se não bastasse, quando se comprovam as consequências econômicas e políticas obviamente negativas para a Europa, vê-se que a atividade da “comunidade de inteligência” dos EUA, que já infligiu outras perdas diretas aos interesses da segurança europeia, só faz jogar mais gasolina à fogueira. Os serviços especiais dos EUA estão manipulando a opinião pública mundial, servindo-se para isso dos meios globais de comunicação e da atividade da imprensa-empresa global e seus jornalistas. Para ter certeza, basta lembrar o papel que se acredita que tenham tido vários agentes pró-guerra, operantes nos jornais e redes de televisão.
Mais um perigo-provocação: Revoluções Coloridas e Guerras Híbridas
O número de casos de intervenção direta em estados soberanos, pelos EUA e seus aliados próximos, aumentou nos últimos tempos. Washington já declarou abertamente o direito que supõe ter para usar unilateralmente a força em qualquer lugar do mundo, para defender seus “interesses vitais”. A interferência militar tornou-se norma – apesar do lastimável resultado de todas as operações de força que os EUA tentaram nos últimos 70 anos.
Onde quer que se constate presença militar dos EUA, logo se veem instabilidade, calamidades, hostilidade e derramamento de sangue. Washington criou mais estados falidos nos últimos anos, do que jamais antes, durante toda a Guerra Fria 1.0.
Madame Sharon Tennison, presidenta do Centro para Iniciativas Cidadãs, nos EUA, tem pedido insistentemente que os governantes dos EUA não façam mais guerras distantes, não mais desestabilizem governos eleitos, não demonizem outros líderes e países, e que parem de usar força militar para intervir por todos os cantos, pelo planeta. E disse, em termos eloquentes:
Todos os países que os EUA invadiram nos últimos 12 anos estão hoje em situação muito pior do que estavam antes de coturnos e armas norte-americanas aparecerem na terra deles.
Em carta que escreveu a Nancy Pelosi, ex-candidata ao governo dos EUA, Sharon Tennison diz também que jamais antes vira coisa mais carregada de erros e distorções, mais mal intencionada e mais perigosa que a atual política dos EUA contra a Rússia. E propõe perguntas bastante lógicas: O que fariam os EUA se a Rússia pusesse as forças armadas e todos os mísseis do Pacto de Varsóvia ao longo da fronteira EUA-México e EUA-Canadá? O que farão os EUA quando, sim, já há possibilidade real de a Rússia instalar armas em Cuba?
À parte empregar força militar massiva para derrubar “governos pouco amigáveis” como na Líbia, no Iraque (e em inúmeros outros países no passado, como, dentre outros Guatemala, Cuba, Vietnã do Norte, Coreia do Norte…), os EUA também usam massivamente seus agentes de serviços secretos, sempre que parece aos EUA que usar força militar seria ou caro demais ou criminoso demais (consideradas as infrações da lei internacional). Vários casos de tentativas para encenar “revoluções coloridas” no espaço pós-soviético são exemplos flagrantes desses “esquemas”. Já se sabe, dito diretamente pelo Comando de Operações Especiais dos EUA, que EUA estão prontos para provocar guerras secretas e não declaradas servindo-se de “rebeldes” contra vários governos legalmente constituídos, e explorando métodos de guerra econômica, política, militar, psicológica contra qualquer tipo de adversário.
Um dos métodos já explorados pelos EUA é substituir governos mediante eleições, nas quais se mobilizam quantidades gigantescas de dinheiro, para comprar votos, comissões eleitorais, e dali até ‘a cabeça’, servindo-se dos serviços de jornalistas cuidadosa e especificamente treinados, agências de notícias, fraudes nas urnas ou apurações dos votos e distorções nos números finais de votos contados.
O processo foi exposto em tons vívidos pelo embaixador dos EUA na Rússia, Michael McFaul, antes de ser nomeado embaixador e antes de ter trabalhado como Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA – quer dizer, quando ainda era professor na Stanford University e estudava a Rússia.
Na aula pública que ministrou num país do leste europeu há alguns anos, Michael McFaul revelou abertamente ao público presente, o número de agências dos EUA (p. ex., USAID) que davam dinheiro a ONGs ucranianas e a empresas-imprensa (jornais impressos, televisão e grupos ativos nas “redes sociais”) na Ucrânia, para que pusessem no governo o presidente – pró-ocidente – Viktor Youschenko, em 2004, que pregava a imediata integração da Ucrânia à Otan. O prof. McFaul conhecia a específica quantia de dinheiro canalizado para ONGs ucranianas já existentes ou especificamente criadas para a finalidade de interferir nas eleições presidenciais de 2004 na Ucrânia, sob o “lema” de “promover a sociedade civil” naquele país. A CIA também abasteceu com recursos substanciais a oposição russa, servindo-se de ONGs russas e de outras nacionalidades implantadas na Rússia para impedir que o presidente Putin fosse eleito em 2012.
O padrão de interferência mais recentemente posto em prática é o que se viu na Ucrânia. A ideia de usar força aérea para derrubar o presidente Viktor Yanukovich jamais foi discutida ou interessou ao Pentágono. A principal tarefa da CIA e de outros serviços secretos foi derrubá-lo e substituí-lo servindo-se de outros padrões de ação, inclusive operações clandestinas dentro da Ucrânia. O método mais recentemente utilizado para golpe de mudança de governo foi, na Ucrânia, incitar “tumultos de praça” massivos (“manifestações em praças centrais de grandes cidades”). Por esse padrão, treinam-se e pagam-se “manifestantes pacíficos” que se reúnem, no primeiro movimento, para protestar contra um ou outro ato de corrupção, a má qualidade dos serviços públicos, crimes de vários tipos etc.. Quando os protestos pacíficos na Praça Maidan e ruas próximas em Kiev começaram a dar sinais de exaustão, os serviços secretos da Ucrânia (SBU) distribuíram atiradores treinados pelo alto de prédios em torno da praça, para atirar a esmo em qualquer pessoa, dos dois lados das barricadas, tanto contra manifestantes quanto contra policiais.
Os serviços secretos dos EUA estiveram muito amplamente envolvidos na “produção” e implantação de um governo fracassado, mas pró-ocidente, em Kiev, em fevereiro passado: fontes públicas dizem que foram gastos US$ 10 bilhões em toda a operação, e que ainda mais dinheiro foi levado para Kiev, por malotes diplomáticos, no final de 2013 e início de 2014. Um comentário crítico sobre a CIA dos EUA: a Agência é capaz de inventar, do nada, um golpe; é capaz de fazer toda a engenharia do golpe. Mas não é capaz de prever o que acontecerá depois. A tragédia na Ucrânia é o mais vívido exemplo dessa ignorância.
Washington coordenou os tumultos da Praça Maidan em fevereiro passado e levou ao poder personalidades de Kiev nada experimentadas no governo, não profissionais. Funcionário aposentado da CIA confessou, no verão passado, que o planejamento de uma operação clandestina desse tipo exigiria, no mínimo, um ano. O ocidente não se deu o tempo necessário. Agora, diz que não compreende que o povo do Donbass tenha decidido fazer a história andar noutra direção, que não é a que a CIA “planejara”. Ninguém nunca mais conseguirá “reunificar” a Ucrânia. Nunca mais. O sangue derramado foi demasiado, morreu gente demais, há destruição e sofrimento demais, por lá. Acumularam-se quantidades imensas de rejeição, de antipatia. O Donbass simplesmente não quer viver sob o mando da Ucrânia, preso em algemas ucranianas. Querem estado separado, dentro dos limites administrativos de sua própria terra.
Ao pôr no poder seu “íntimo aliado” como presidente da Ucrânia, os serviços secretos dos EUA continuam a manter a Ucrânia como entidade 100% pró-EUA e pró-Otan. Para reforçar os sentimentos anti-Rússia e pró-ocidente na opinião pública naquele país, os serviços secretos dos EUA mantêm lá “instrutores” e “conselheiros” em praticamente todos os ministérios e sessões e departamentos do governo da Ucrânia, todos trabalhando ativamente na guerra de informações contra a Rússia e contra outros países que não apoiaram o golpe sangrento e ilegal em Kiev e no resto da Ucrânia.
Como “método”, é simples: usam a internet para martelar e martelar, por repetição, qualquer notícia falsa ou duvidosa que lhes pareça útil; na sequência, extraem daquelas “notícias” as “conclusões” mais estapafúrdias e de mais longo alcance, que mais interessem aos EUA; passo seguinte, aquelas “conclusões” são apresentadas aos políticos dos EUA e ao público em geral como se fossem “fato”, vale dizer, como se fossem a realidade. Exemplo recente desse “golpe” foi a “notícia”, distribuída pelas Forças de Segurança da Ucrânia, segundo a qual cadetes da Academia Russa de Artilharia (ARA, desativada há seis anos) estariam atacando no Donbass.
Outra história: documentos falsos de identidade russa foram exibidos a “jornalistas”, como prova de que haveria soldados russos comandando a “agressão contra a Ucrânia”.
Incompetência, porque o serviço secreto ucraniano SBU e a CIA dos EUA tinham de saber que aqueles documentos foram cancelados há muitos anos. No verão passado, o SBU distribuiu nota oficial na qual afirmava que Vasiliy Geranin, suposto oficial ucraniano, teria tido uma conversa por telefone com um resistente, no Donbass, de nome Igor Bezler. Mas, quando vi a foto do dito “Vasiliy Geranin”, vi que era Musa Khamzatov, que conheço pessoalmente, de nossos contatos no Instituto para Relações Internacionais em Moscou.
Em termos gerais, a CIA manipula as percepções do público sobre o que se passa efetivamente no mundo; interfere na vida privada de alguns líderes mundiais e homens e mulheres “de poder”. No ambiente em que se vive hoje e no que se pode prever para o futuro, os serviços secretos dos EUA têm de parar de intrometer-se em assuntos internos de outros países e na vida pessoal das pessoas. Só assim conseguirão fazer bem feito o que existem para fazer: manter e promover a segurança dos EUA e de seus aliados.
Nesse contexto, pôr-se a ouvir telefonemas e a ler e-mails de praticamente todos os norte-americanos nos EUA e de mais de 30 governantes eleitos em outros pontos do mundo é prática a ser evitada – talvez deva ser proibida? – porque essas práticas agridem as liberdades individuais, direitos humanos fundamentais e a lei internacional.
E como sair do impasse gerado pela Guerra Fria 2.0
Em intervenção na reunião do Club Valdai em Sochi, dia 24 de outubro, o presidente Putin observou que o mundo está menos seguro e mais imprevisível, a cada dia que passa; e que os riscos só fazem aumentar, por todos os lados. Todo o sistema de segurança foi seriamente enfraquecido, fragmentado e deformado. Um diktat unilateral para impor sempre e só os próprios modelos produziu resultado oposto e não gerou mais segurança. Em vez de reduzir e superar conflitos, levou a uma escalada dos conflitos, ao caos sempre crescente, a um apoio sob todos os títulos suspeito garantido a neofascistas e a islamistas radicais.
O mundo é testemunha de mais e mais esforços para fragmentar a situação global, para traçar mais e mais linhas divisórias, para montar coalizões que não obram a favor de coisa alguma, sempre contra quem tenha opinião diferente, com os EUA tentando fabricar a imagem de um inimigo, como se viu nos anos da Guerra Fria, e tentando também impor algum modelo; de fato, qualquer modelo, desde que seja conveniente à perpetuação da “liderança” norte-americana.
Os EUA, depois de se autodeclararem vencedores da Guerra Fria, em vez de manterem a ordem e a estabilidade, puseram-se imediatamente a obrar para destruir o equilíbrio do sistema vigente de segurança. Os autoproclamados “vencedores” da Guerra Fria decidiram reformatar o mundo para aproveitar aos seus próprios interesses e carências “vitais”.
Relatório preparado pelo Instituto Polonês de Relações Internacionais em outubro de 2014 deixou claro que as razões da crise Rússia-Ocidente são mais fundas que algum déficit de confiança ou a falta de canais adequados de comunicações entre as partes. A desconfiança não é resultado de não se compreenderem bem os motivos do outro lado, mas reflete, isso sim, diferenças fundamentais na esfera dos valores e da conceptualização dos interesses entre o ocidente e a Rússia. Infelizmente, daí em diante o Relatório atribui toda a culpa, por tudo, exclusivamente à Rússia. Verdade é que a chance é pequena, praticamente nenhuma, de que se reconstrua a confiança entre o Ocidente e a Rússia, sem que se enfrentem as diferenças reais, fundamentais, que há entre ambos.
Como Jeffrey Tayler, editor de The Atlantic, observou recentemente
“Os EUA embarcam nessa estrada de confrontação [com a Rússia] sem ter mão firmes, equilibradas, de temperança, no volante da Casa Branca; na história moderna, nenhum governo norte-americano jamais se mostrou mais incapaz, mais inepto, nas tratativas com a Rússia. (…) Os norte-americanos estão sendo mandados a uma nova guerra – fria, por enquanto – sem terem nem ideia do que virá como resultado. É imprescindível que todos os norte-americanos perguntem ao governo Obama: “Digam-nos: como terminará isso?.”
Falando sério: como terminar isso?
Primeiro. Os EUA e seus aliados na Otan devem parar de reunir exércitos perto das fronteiras da Rússia. O arsenal nuclear tático dos EUA – com toda a infraestrutura relevante e os itens do sistema de mísseis balísticos de defesa – tem de ser removido da Europa e devolvido ao território continental dos EUA. Deve-se desenvolver um novo Tratado de Mísseis Anti-Balísticos, multilateral, que limite o número de interceptores estratégicos. Deve-se elaborar e assinar um acordo CFE qualitativamente novo (CFE-2), entre todos os estados-membros da Otan, incluídos os membros recém admitidos, e a Rússia. Todos devem assinar tratado internacional para banir instalação de quaisquer armas no espaço sideral. E estados nucleares de facto e de jure terão de assumir o compromisso de não usar armas nucleares em nenhum caso, no primeiro ataque. O Novo [tratado] Tratado para Redução de Armas Estratégicas [Strategic Arms Reduction Treaty-4 (START-4)] EUA-Rússia pode ser discutido, desde que todos os itens previamente acordados sejam implementados. EUA e Otan devem considerar a Rússia como sua aliada permanente, não como permanente inimiga.
Segundo. Todas as sanções econômicas e financeiras criadas contra a Rússia devem ser levantadas integralmente e sem demora, porque são medida injusta e ilegítima que infringem princípios da Organização Mundial do Comércio e do comércio justo. A Rússia não tomará quaisquer medidas ou condições que visem ao fim das sanções como fator de troca para que modifique suas posições sobre a crise ucraniana que a Rússia não provocou.
Terceiro. A Ucrânia terá de comprometer-se a manter para sempre o status de país não alinhado e não nuclear. O povo do Donbass terá garantido o direito de decidir sobre o próprio futuro – sem agressões ou ações punitivas dentro de suas fronteiras administrativas dentro da Ucrânia. Uma solução pacífica para a crise ucraniana exige não só um cessar-fogo, mas retirada completa de todas as tropas regulares ucranianas e formações irregulares, para fora do território das Repúblicas Populares de Donetsk e de Lugansk. As autoridades em Kiev devem assinar um pacto de não agressão com aquelas Repúblicas Populares. Kiev deve também compensar todas as perdas humanas e materiais que causou à região de Novorússia – imediatamente e sem quaisquer atrasos.
A elite militar e política dos EUA tem de entender que a Ucrânia é uma espécie de Rubicão geopolítico e político-militar, de onde a Federação Russa não retrocederá e onde de modo algum desistirá de seus princípios fundantes. Ninguém pode intervir, de modo algum, nas próximas eleições no Donbass, que cumprem rigorosamente o que ficou acordado no Acordo de Minsk, marcadas para 4/11/2014 [foram realizadas (NTs)] – assim também, ninguém interveio nas recentes eleições parlamentares realizadas na Ucrânia.
Quarto. Em termos gerais, é chegada a hora de abandonar para sempre, em todas as relações internacionais, todas as ameaças feitas pretextos frouxos e explicações vagas. O presidente Vladimir Putin disse recentemente:
Esperamos que nossos parceiros percebam a futilidade de tentar chantagear a Rússia e que se lembrem das consequências que pode ter, para a estabilidade estratégica, a discórdia entre as duas principais potências atômicas do mundo.
A comunidade mundial como tal deve opor-se com firmeza a qualquer tentativa para ressuscitar os resultados da IIª Guerra Mundial; e deve combater consistentemente a quaisquer formas e manifestações de racismo, xenofobia, nacionalismo agressivo e chauvinismo.
É importante que se organize uma reunião de cúpula EUA-Rússia, necessária e urgente para atacar todos esses problemas e encaminhar essas soluções. Mas não com Barack Obama. É impossível pensar em reunião séria, desse tipo, sob essa presidência.
O mundo no qual vivemos e onde sucessivas gerações viverão deve ser erguido sobre o princípio da multipolaridade: um mundo multipolar, com “segurança assegurada mutuamente” para todos, depois de reduzido o número de armas, em vez de depois de “mutuamente garantida” a destruição de todos.
A destruição mútua mutuamente garantida foi lema que EUA e Otan inventaram durante a Guerra Fria 1.0. Mas, diferente da Guerra Fria 1.0 que proliferou por todo o mundo, a nova Guerra Fria até agora só foi imposta à Rússia: entre EUA e Rússia e entre Otan e Rússia. Essa guerra tem potencial mortal para respingar, se não for detida. Pode gerar dificuldades para muitos países. Por isso essa Guerra Fria 2.0 não pode espalhar-se para outras áreas do globo.
Ao mesmo tempo, têm de ser erradicados todos e quaisquer tipos de guerra híbrida, nessa conotação moderna: guerras convencionais “mais” ciberguerras e guerras de informação, com infiltração nos assuntos internos de outros estados, sob a forma de “caos controlado” ou “guerras à distância”.
Se essas medidas não forem implementadas, há alta probabilidade de que a Federação Russa tenha de repensar medidas de resposta, sobretudo em relação aos EUA e à Otan e suas políticas, e que introduza necessárias mudanças de atualização em sua Doutrina Militar, substituindo a que foi aprovada em 2010 e incluída no Livro Branco da Defesa, a ser divulgado no próximo ano, pelo Ministério da Defesa da Rússia.
Pincelada Final: Há necessidade urgente de promover a reconstrução racional da situação atual, e de adaptar [a Doutrina Militar da Rússia] às novas realidades no sistema de relações internacionais.
Em vez de impor a Guerra Fria 2.0 que EUA e Otan já iniciaram, e de produzir ameaças-provocações-desafio qualitativamente novas, toda a Europa e todo o mundo, em geral terão de iniciar uma verdadeira détente global, que esteve em andamento, bastante bem-sucedida, durante o século 20.
Vladimir P. Kozin