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Guerrilheiras, ou Para a Terra não há Desaparecidos, vai ao palco

Helena Katz

As cinco atrizes estendem um plástico, depois outro, e mais outro, e assim, os chãos vão se sobrepondo, na cenografia assinada por Aurora dos Campos. Compõem camadas para cima que, curiosamente, também vão se entranhando para baixo, adensando e desenraizando (porque mais adiante, não mais dirão respeito apenas àquele lugar) o espaço simbólico que as suas cores criam.

É assim que a peça Guerrilheiras ou Para a Terra Não Há Desaparecidos, que estreou no ano passado no Rio e fica em cartaz até 14 de fevereiro (exceto na semana do carnaval) no Sesc Belenzinho, começa a ganhar corpo. Para realizá-la, as atrizes, a diretora (Georgette Fadel), a dramaturga (Grace Passô) e o cineasta (Eryk Rocha) foram ao sul do Pará para refazer a rota das 12 mulheres que fizeram parte da Guerrilha do Araguaia e lá foram assassinadas, entre abril de 1972 e janeiro de 1975.

De todos os lados, o céu vem em nossa direção. Desce até encostar em cada um dos corpos enterrados e dos fatos que eles desenterram. Guerrilheiras vai amparando um chão no outro e eles viram túneis por onde salta para fora o que a terra esconde. Por isso, podemos saber que aqueles corpos enterrados há tanto tempo, agora podem falar de si mesmos, do que fizeram por lá e do que aconteceu: “Alguém me ouve? Alguém, me escuta?”. Graças a este relevante projeto de Gabriela Carneiro da Cunha, essas vozes deixam de pertencer a uma história silenciada.

A Guerrilha do Araguaia foi um embate violento: 5 mil soldados do Exército contra 69 guerrilheiros mortos, diz o texto. Os corpos dessas mulheres, possivelmente enterrados na beira do rio, não foram encontrados. Mas, nesse mesmo jogo entre o que fica dentro e para fora da terra (ou da História) que tece Guerrilheiras, eles estão agora nas roupas que as atrizes vestem Desirée Bastos escolheu cerca de 50 peças de roupa, que foram enterradas às margens do mesmo rio Araguaia, e depois, desenterradas e lavadas. Deteriorado, o figurino passa a ser o corpo desenterrado, que agora está do lado de fora, para ser visto.

A singularidade da cada uma das atrizes do elenco, com uma força própria, foi cuidadosamente potencializada pela justeza da direção de Georgette Fadel. As excelentes Gabriela Carneiro da Cunha, Carolina Virguez, Daniela Carmona, Fernanda Haucke e Mafalda Pequenino, põem em cena uma pluralidade de outras mulheres, as desta guerrilha e também as que lá não estiveram, mas viveram/vivem situações semelhantes.

A principal qualidade da dramaturgia de Grace Passô talvez esteja na habilidade em montar uma poética capaz de temperar o local com o geral. A cada corpo que se desnuda, a cada vez que ele se veste de novo, em cada uma das citações de outras guerras, batalhas, movimentos e insurreições, os limites históricos dessa guerrilha vão sendo arrebentados para mostrar que a violência que a caracteriza escorre por aí. E então, a segunda parte do nome da peça – Para a Terra Não Há Desaparecidos – ganha uma dimensão própria quando nos lembra que a violência não tece somente um episódio, pois escorre por todos os lados.

A competência dos que fazem Guerrilheiras existir fez com que a montagem escapasse da cilada do apelo ideológico do seu assunto. Priorizou as escolhas dramatúrgicas em torno do corpo e das imagens com ele e nele construídas. As projeções do material de Eryk Rocha, editado com uma sensibilidade fina, agregam mais uma camada que, como as outras, também nos leva para dentro e para fora do que aconteceu no Araguaia. Fica um pressentimento de que a mesma questão segue, como o próprio rio.

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