Relatório do Ministério Público Federal (MPF) sustenta que o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega nomeou integrantes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) para ajudar um empresário amigo a fraudar um processo em tramitação no órgão – espécie de “tribunal” que avalia débitos de grandes contribuintes com a Receita Federal.
Os indícios colhidos pela Procuradoria da República no Distrito Federal embasaram decisão da 10ª Vara da Justiça Federal, em Brasília, que na última quarta-feira determinou a quebra dos sigilos bancário e fiscal do ex-ministro – ele chefiou a Fazenda de março de 2006 a dezembro do ano passado. Também foram ordenadas as mesmas medidas em relação à Coroado Administração de Bens, empresa de consultoria e negociação de imóveis em nome do petista. A decisão, do juiz Vallisney de Souza Oliveira, ordena a abertura dos dados entre janeiro de 2011 e outubro deste ano.
Ao pedir as quebras de sigilo, o MPF se baseou em trocas de mensagens e interceptações telefônicas entre os envolvidos no esquema de corrupção do “tribunal da Receita”, investigado na Operação Zelotes. O objetivo é, a partir dos dados, avaliar se houve eventual recebimento de “vantagem indevida” por Mantega, o que configuraria a prática de crime de corrupção passiva.
Conforme o relatório, obtido pelo jornal O Estado de S.Paulo, o ex-ministro nomeou em julho de 2011 Valmar Fonseca de Menezes para a 1ª Turma Ordinária da Primeira Câmara do Carf. Depois, teria manobrado para que ele e o conselheiro José Ricardo da Silva – outro investigado na Zelotes, atualmente preso por suposto envolvimento na “compra” de medidas provisórias – fossem alçados à Câmara Superior do órgão.
Mantega teria agido por influência do empresário italiano Victor Garcia Sandri, que seria seu amigo. Depois das nomeações, supostamente com a ajuda dos conselheiros, o Grupo Comercial de Cimento Penha, que pertence ao empresário, conseguiu abater débito de R$ 106 milhões em julgamento no Carf.
“A partir de negociatas ilícitas, o grupo criminoso em questão, poucos meses antes do julgamento em testilha, logrou inserir pelo menos dois novos conselheiros na Câmara Superior do Carf. ( ..) Cumpre salientar a existência de substanciais elementos de informação que denotam a participação do então ministro da Fazenda”, argumentou o procurador da República Frederico Paiva.
No relatório, o MPF diz que Mantega chegou a se reunir com Menezes em 6 de junho de 2011, um mês antes de sua nomeação. O encontro teria sido articulado por Sandri e outros investigados. Num e-mail enviado a Sandri, José Ricardo diz que “V” (suposta referência a Valmar) foi chamado pela “Amiga” (suposta referência a Mantega). Dias depois, José Ricardo envia outro e-mail para Menezes, explicando que Sandri, citado como “Italiano”, usaria sua influência para emplacá-lo no cargo. “Dissemos peremptoriamente ao Italiano que sua atuação na 1ª (Câmara) é a única chance que ele tem para solucionar a questão específica. Ele concordou e vai levar isso à Amiga”, diz o texto
Na mensagem, José Ricardo afirma que Otacílio Cartaxo, ex-chefe da Receita, identificado como “Carteiro”, tinha outro nome para o posto, mas que prevaleceria a vontade de Sandri. “O Italiano achou estranho o fato de o Carteiro ter dito que já tinha outro nome para a 1ª. E ficou muito aborrecido com o fato de o Carteiro estar duvidando da real influência que ele, Italiano, teria junto à Amiga”, escreveu. Ao fim, José Ricardo diz que quem definiria a questão seria o próprio empresário: “O cargo é dele (Sandri), independentemente da posição do Carteiro”.
Menezes foi nomeado para a Câmara Superior em julho de 2011 e José Ricardo, em novembro daquele ano. Referências à influência de Sandri sobre Mantega também aparecem em diálogos do ex-conselheiro Paulo Cortez, outro investigado.
“Há fundados indícios de que Guido Mantega, ao nomear os conselheiros José Ricardo e Valmar Menezes, fê-lo com o objetivo de satisfazer interesses pessoais de Victor Garcia Sandri, e não de atender o interesse público”, alegou o MPF.
Em sua decisão, o juiz Vallisney justifica que, “diante do liame” entre os envolvidos, “é necessário apurar se a finalidade das nomeações pelo então ministro, no contexto em que se deram, tiveram realmente o fito de influenciar no julgamento do aludido processo administrativo fiscal”.
Violência – O advogado de Mantega, José Roberto Batochio, disse que as quebras de sigilo são “uma violência inominável”. Ele argumentou que não há nada nas investigações que justifique o afastamento dessas garantias constitucionais, que só caberia em casos muito excepcionais.
O advogado afirmou que a escolha de conselheiros do Carf é feita por uma comissão de notáveis do governo e que cabe ao ministro da Fazenda apenas assinar as portarias de nomeação. “O ministro não apita. Só oficializa”, alega. Ele acrescentou que Mantega não tem qualquer conhecimento sobre o processo da Cimento Penha no Carf.
Batochio explicou que, há mais de 20 anos, Mantega vendeu um terreno para Sandri, que pagou com imóveis construídos na área. Depois disso, assegurou, os dois não tiveram mais relações comerciais. Ele também negou vínculo de amizade entre os dois, apesar de alguns episódios noticiados pela imprensa indicarem a proximidade. No carnaval de 2007, Mantega foi feito refém num assalto num sítio em Ibiúna (SP) que pertence a Sandri.
Batochio afirmou que Mantega não tem qualquer preocupação com a quebra de seus sigilos e que os dados vão demonstrar que ele não obteve qualquer valor suspeito. “Mas quem vai reparar o dano de imagem (do ex-ministro) quando se demonstrar que ele não recebeu nada?”, questionou. “Isso (os apontamentos do MPF) são ilações gratuitas. Está na hora de o Brasil deixar de ser o País do talvez, do quem sabe”, acrescentou.
Mantega não respondeu o pedido da reportagem para informar a lista de clientes de sua empresa, aberta em agosto deste ano.
A defesa de José Ricardo informou que as acusações são “improcedentes”, o que “será demonstrado no momento oportuno”.
A reportagem não conseguiu contatar Victor Garcia Sandri e Valmar Menezes.