Nordestina raiz, dona Guiomar levou anos para aprender que não era nortista. Também conhecida por Guigui ou simplesmente Guió, ela foi minha mãe e da minha irmã Eliana dos 18 aos 87 anos e meio. Há exatos dois anos, foi ao encontro do irmão Ricardo em busca de novos caminhos. Hoje, eles contribuem com a ornamentação do Jardim do Paraíso, para onde ela foi por conta de complicações decorrentes de uma picadura de barbeiro. Embora lamente o avanço devastador do Mal de Chagas, agradeço a Deus pelo longo tempo de convivência. Acho que se a picadura tivesse sido de um engenheiro, médico, padeiro ou motorista de ônibus, o timing dela entre nós teria sido menor.
Nascida na bucólica São José da Laje, vizinha de Ibateguara, a Suíça brasileira, Guigui, mesmo semialfabetizada, galgou vários degraus da fama e acumulou variadas premiações. Um dos principais prêmios de sua intocável e inoxidável estante é o repetido Nobel de Mãe do Ano, mesmo naqueles tempos em que as fraldas de pano eram do tipo 3C: cagou? Caramba! Cague de novo. Aprovada com louvor na universidade avançada de corte e costura, costurou para damas do dia e da noite. Eu era o encarregado de buscar a linha, o viés, os botões encapados e os adereços prometidos para o vestido da freguesa.
Craque na arte do cozimento do feijão com tudo dentro, um dia sim e outro também se arriscava na culinária francesa. Seu prato preferido e, por consequência o nosso, era o Soborô Dontê, produzido com o que havia sobrado do dia anterior, seguido do Ratatouille, que vem a ser um refogado de legumes pra lá de vencidos. Petit gâteau nem em fotos de revistas especializadas. Da típica cozinha italiana, comíamos com relativa frequência a polenta molhada com sumo de galinácea, ou seja, angu ralo com caldo knorr.
Verdadeiras ou não, como esquecer de suas histórias da viagem no pau de arara com destino ao Rio de Janeiro. Segundo ela, ainda menina, foram cinco dias e cinco noites dormindo e acordando no banco fincado na carroceria do caminhão. Da retirante, sobrou a mulher guerreira e imaculada até os 17 anos. Hoje, mais consciente, uso a disciplina, a perseverança, a solidão, a confiança e a ociosidade como as mães do sucesso, da boa sorte, da sabedoria, do descuido e da filosofia. Ou seja, onde eu estiver ela estará comigo.
Pau para toda obra e sem espaço para tempo ruim, na ausência deliberada e contumaz do zangão, Guigui virou a abelha rainha da colmeia Araújo, seção do Rio de Janeiro. A colmeia master é originária de Alagoas, o paraíso das águas. Para se consagrar como mãe, Guió teve ajuda dos marechais alagoanos José, Ildefonso, Deltrudes e João Francisco, este último o verdadeiro Menestrel das Alagoas. A maior herança que dela recebi foi além da educação. Guigui também me ensinou com quem usá-la.
Passados tantos anos de nosso encontro e dois anos após seu passamento, afinal consegui entender que, apesar da onipresença, Deus não pode estar em todos os lugares. Por isso, fez as mães, as rainhas de todos os lares. Aliás, infelizmente nem toda rainha usa coroa. A prova disso foi minha mãe. Sou o exemplo vivo de que os homens são o que as mães fazem dele. Mãe, que a beleza das flores, a doçura do mel e o brilho das estrelas a envolvam onde estiver. E que você continue irradiando o amor e a alegria que sempre nos ofereceu. Até breve. Saudade que não passa.
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Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras