O Hamas, que reconheceu o TPI e pretende cooperar, rejeita a acusação de “terrorismo”, que é um conceito político e midiático mas não jurídico. O Hamas nunca figurou na lista de organizações terroristas da ONU. O Hamas afirmou o seu acordo com o direito internacional e a sua vontade de cooperar com o TPI. Pelo contrário, a entidade sionista rejeita o direito internacional e rejeita qualquer cooperação com o TPI; é o Hamas que está em sintonia com o direito, e a entidade sionista que o nega. Os crimes que hoje estão a ser cometidos são uma consequência desta negação da lei.
Quem vê, ouve ou lê a mídia ocidental fica com a certeza de que o Hamas é um grupo terrorista e que deve ser tratado como tal. No entanto, acreditem ou não, a maioria da população mundial condena o genocídio de Israel em Gaza por muitas razões.
Em primeiro lugar, porque matar, na sua esmagadora maioria, crianças, mulheres e idosos, jornalistas e médicos, não parece ser a forma de eliminar um grupo terrorista. De fato, não faz qualquer sentido.
Esta é, no entanto, a doutrina militar habitual do Estado sionista. Vimo-la em ação muitas vezes nos últimos anos na Palestina, mas também no Líbano. Assassinato em massa de inocentes indefesos para persuadir a resistência a desistir da luta. Os políticos ocidentais sabem muito bem que a entidade sionista comete sistematicamente crimes de guerra, mas não estão dispostos a enfrentar nem os Estados Unidos nem o coração do capitalismo mundial, que é, afinal, o que o Estado de Israel representa no mundo.
A luta contra o terrorismo parece dar aos aliados do império plena liberdade e imunidade para cometerem todo o tipo de atrocidades. É o que os Estados Unidos e a Otan têm feito desde que o seu conceito estratégico mudou após a queda do Muro de Berlim. Recordemos, por exemplo, a invasão do Afeganistão e as centenas de milhares de mortos que causou, supostamente para caçar Bin Laden, que nem sequer se encontrava no país.
Assim, se ao trivial direito à legítima defesa se acrescentar “contra o terrorismo”, isso significa que podemos contar com todas as bênçãos necessárias para tomar medidas punitivas contra aqueles que são considerados como tal.
Mas paremos aqui: o que é o terrorismo? Embora possa parecer que não, não existe uma definição consensual no direito internacional. Porque, evidentemente, se houvesse, haveria o risco de muitos governos e os seus exércitos poderem ser acusados de serem entidades terroristas. É por isso que decidiram deixar a questão em aberto e no domínio político, ou seja, nas mãos dos senhores do mundo, a quem é dado o poder de decidir quem pode ser ou não ser rotulado de terrorista, de impor a sua narrativa e de aplicar as suas punições.
Tanto é assim que, como escreveu Alfonso Sastre e Iñaki Gil nos recorda muitas vezes, o terrorismo é a guerra dos pobres, sobretudo quando se confrontam com os poderosos. Jean Rostand abordou este mesmo conceito numa outra frase: mata um homem e serás um assassino; mata milhões e serás um conquistador; mata-os a todos e serás Deus, que é exatamente o que Israel parece estar tentando fazer nestes dias em Gaza.
Tão arbitrária é a atribuição de comportamento terrorista que, quando nos distanciamos um pouco para procurar o contexto, podemos ter muitas surpresas. Verifica-se que só os inimigos do Estado palestino – Israel, os Estados Unidos, a Europa e alguns outros aliados da Otan – consideram o Hamas terrorista; para o resto do mundo, é apenas um grupo político. Se sobrepusermos a esse mapa o mapa dos países que não reconheceram a Palestina, verificamos que os dois se sobrepõem quase totalmente. É curioso, não é?
Por que o Ocidente diz que o Hamas é um grupo terrorista? Todos sabemos que é o partido político que ganhou legitimamente as eleições em Gaza e que hoje ganharia seguramente as eleições em toda a Palestina se se realizassem novas eleições.
Talvez o problema seja o fato de ter uma ala militar, as Brigadas Al-Qassam, mas isso é algo comum a todas as outras facções palestinas e não deve ser um fator determinante. A Fatah, o grupo palestino preferido do Ocidente, está associada às Brigadas dos Mártires de Al-Aqsa, mesmo que estas façam muito pouco trabalho. Talvez seja esse o objetivo, o fato de enfrentarem com êxito o ocupante sionista para tentarem libertar-se do domínio colonial de multidões de invasores judeus fundamentalistas de todo o mundo. Não é isso que os povos ocupados devem fazer, tal como reconhecido pelo direito internacional?
É aqui que entra a velha e moribunda ordem mundial, que dá aos Estados Unidos o poder absoluto de classificar e sancionar quem quer que seja como terrorista, se colidir militarmente com os seus interesses em qualquer parte do mundo (ou ditadura, se colidir politicamente). O revés para eles é que, especialmente desde a guerra contra a Rússia na Ucrânia, o rei agora anda nu e o que antes era visto como a comunidade internacional todo-poderosa que representava o mundo inteiro agora diminuiu para simbolizar apenas o Ocidente coletivo, uma parte pequena e bastante minoritária do planeta.
Em que se baseia então o seu discurso? Costumam dizer que é porque matam civis israelenses. Mas não é isso que faz Israel? Talvez o problema seja que os rockets caseiros do Hamas não são suficientemente precisos para serem apontados para onde eles querem, ao contrário dos mísseis sionistas, que podem ser apontados ao milímetro e que, na sua maioria, são deliberadamente apontados a civis palestinos, aos seus hospitais, escolas, mesquitas ou igrejas. Quem é então o verdadeiro terrorista?
Mais ainda, é difícil reconhecer que há civis no Estado de Israel quando toda, absolutamente toda a sua população está militarizada, dos 18 aos mais de 50 anos, quando os chamados civis do Estado sionista estão maioritariamente armados e quando praticam diariamente o terror contra palestinos indefesos.
Outras vezes dizem que o Hamas é terrorista porque os seus militantes praticam o sequestro. Eu lhes perguntaria: sabem quantos milhares de palestinos estão apodrecendo nas prisões inimigas? Atualmente são cerca de cinco mil, mas já foram mais do dobro. As celas judias estão cheias de presos políticos, mulheres, crianças, doentes e pessoas sem qualquer acusação, aquilo a que chamam eufemisticamente de detenções administrativas. Quem é realmente o terrorista?
Poderíamos continuar ad infinitum. Não, o Hamas não é um grupo terrorista, é um legítimo representante do povo palestino, eleito democraticamente. E fazem também parte da autodefesa do oprimido povo palestino, que enfrenta a pior espécie de Estado terrorista de todo o planeta.
A questão é provavelmente que, de acordo com a tese de Sastre e Rostand, o Hamas é pobre, não mata o suficiente e está enfrentando os Estados Unidos e os seus aliados. Isso é tudo… tenhamo-lo em mente sempre que ouvirmos os nossos políticos ou a nossa mídia.
E quem achar que o que foi dito acima é apenas uma posição partidária, deveria ler e reler a Resolução 3070 da Assembleia Geral da ONU, de 30/Nov/1973, que (…) Reafirma também a legitimidade da luta dos povos para se libertarem da dominação colonial estrangeira e da subjugação alienígena por todos os meios possíveis, incluindo a luta armada”.