Uma família no poder incomoda muita gente. Duas famílias juntas no poder incomodam muito mais. Depois da ramificação dos Bolsonaros na Presidência da República, Senado Federal, Câmara dos Deputados e Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, chegou a vez da família piauiense Nogueira, representada em Brasília faz tempo pelo todo-poderoso presidente do Partido Progressista e senador de segundo mandato Ciro Nogueira Lima Filho, agora indo para a Casa Civil, em substituição ao general Luiz Eduardo Ramos. Seu lugar na câmara alta do Congresso será ocupado pela primeira suplente, mamãe Elaine Nogueira. Novo velho amigo do governo, Ciro é daqueles parlamentares que chegam ao plenário durante uma votação e, mesmo sem conhecer uma vírgula do projeto em debate, adere ao relator sem pestanejar. ´
Ele está léguas distante daqueles tipos considerados anarquistas, para os quais não importa quem é governo porque sempre serão contra. “Hay gobierno? Soy contra! Esta frase de origem libertária, com suposta origem no México, é uma das mais badaladas por muitos e supostos espíritos livres e utópicos. Ela surgiu do anedotário de um anarquista vítima de naufrágio que, ao chegar à praia de um país desconhecido, agradece a acolhida dos habitantes, mas logo proclama: “Obrigado por me salvarem! Mas se há governo, sou contra!”. Nosso brioso senador piauiense pensa exatamente de forma e grau contrários. Hay gobierno? Soy a favor!
Amigo dos poderosos, ao mesmo tempo em que rendia elogios rasgados ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, considerado por ele como o melhor mandatário que este país já conheceu, flertava com a candidatura do “capitão” Bolsonaro. Supostamente gravado em 2018, pouco antes das eleições presidenciais, circulou por esses dias na capital federal um vídeo no qual Ciro Nogueira desanca o ex-correligionário e agora novamente colega de infância, a quem só não chama de bonito. “Tenho muita restrição ao Bolsonaro. Ele tem um caráter fascista, preconceituoso. É muito fácil você ir para a televisão dizer que vai matar bandido, que vai não sei o quê….” Nada que um bom cargo não faça esquecer o fascismo e os preconceitos do querido confrade político, que, pressionado, estende uma mão a Deus e outra ao Diabo .
Um dos líderes do Centrão, daqueles que surgem quando o abismo está próximo, Nogueira não entende do riscado, tampouco estava no lugar certo ou circulava na hora exata pelo futuro gabinete. Apenas conhece o presidente fragilizado, perdido, sem saber para onde correr e desesperadamente à procura de alguém para chamar de seu. Aventureiro ou não, vai ocupar a Casa Civil, o miolo da administração, para garantir manchetes suficientemente capazes de aumentar a dívida do claudicante governo a que irá servir com o grupo que representa até embaixo d’água. Até quando? Certamente até a candidatura de Luiz Inácio ou de qualquer outro postulante presidencial engolir de vez as pretensões bolsonaristas.
Mais uma vez sou obrigado a recorrer a um passado recente e lembrar uma referência ao hoje maior inimigo da administração que vai defender. “Ele foi o melhor presidente da história desse país, principalmente para o Piauí e para o Nordeste. Eu não me vejo na eleição votando contra Lula….” Foi assim com Dilma Rousseff antes do caos e durante os dois anos e meio de Michel Temer. E será assim com Jair Bolsonaro pelo menos até que o povo saia definitivamente às ruas para sonorizar o basta. Essa é a única linguagem entendida pelo grupo que não admite ficar longe dos palácios assoberbados de podres poderes, cheios de soberba e entupidos de suspeita, consequentemente agonizantes e bem próximos do estado terminal.
No jargão popular, é uma mistura de jaguatirica com cobra d’água. E aí surge uma outra lembrança também popularesca. Trata-se da expressão diga-me com quem andas e eu te direi quem tu és. O termo indica que pode-se saber as qualidades de uma pessoa pela companhia que ela mantém. Quem de nós nunca ouviu esta frase na casa dos pais. Ela virou clássica quando os “velhos” queriam nos afastar da má influência das companhias. Eles sabiam muito bem as confusões que poderíamos aprontar se optássemos pelas orientações dos maus companheiros. Por uma falha dos genitores, que nunca disseram quem é má parceria para quem, no caso em questão fica difícil discernir entre o bom, o mau e o feio. O tempo nos dirá. Até lá, o presidente da República negará todos os discursos de campanha e fará tudo que os mestres do Centrão mandarem. É o calvário de quem esquece o que diz.