A comunicação de Lula 3 é coisa de latrina, o próprio presidente se deixa levar por questões políticas-familiares e o ex-ministro da Comunicação Paulo Pimenta, feito ministro=-extraordinário para catástrofes gaúchas de olho no Piratini em 2026, é o cocô do cavalo do bandido. Essa a interpretação literal de texto que Hélio Doyle, ex-presidente da Empresa Brasil de Comunicação, está fazendo circular em seus grupos de WhatsApp. Excessivamente extenso, e portanto cansativo, como que inspirado nos discursos de Fidel Castro, ele não cita nominalmente seu ex-chefe nem o chefe do chefe. Mas fica claro que o desabafo mira justamente Lula e Pimenta.
Hélio Doyle foi traído, claro. Dono de reputação inquestionável, não deveria ter sido expurgado como foi da EBC. O motivo, banal, foi retuitar um X que atacava a sanha assassina do Estado judeu em cima do povo palestino. Demitido o homem responsável pela rede pública de comunicação, logo depois veio Lula, sem papas na língua, dizer o que HD xiszou. Netanyahu é assassino. E PT saudações. Mas para reafirmar as declarações de Lula, Hélio Doyle usou um tom professoral. Fez acusações graves sobre o que acontece na comunicação pública. Mas como jornalista omitiu, sabe-se lá porque, algo ainda mais grave: que de mensalão em mensalão, pimenta na conta bancária dos outros é refresco.
Se tiver paciência, caro leitor, leia abaixo o que HD escreveu. Mas a síntese, em forma de lead e sub-lead, está aí em cima. Lula 3 está cheio de apaniguados. E não tem veterinário capaz de acabar com a cachorrada.
Fui diretor-presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) de 16 de fevereiro a 18 de outubro de 2023. Enquanto aguardava os trâmites formais para assumir a presidência, em janeiro, fui assessor da presidenta interina, que assumiu com a demissão dos gestores bolsonaristas. Nesses nove meses, aprendi muito sobre a EBC e sobre a comunicação pública, tema que sempre me interessou, mas que só havia sido meu objeto de estudo no mestrado em Comunicação na Universidade de Brasília, em aulas, debates e artigos.
Aprendi muito na vivência na EBC, no contato com suas empregadas e empregados, com ou sem funções comissionadas, na complexa gestão diária da empresa e como membro do Conselho de Administração. Implantei na EBC um mecanismo inédito para ouvir os trabalhadores e informá-los sobre minha visão e meus planos: a cada três meses, 2% deles – uma boa margem estatística de representatividade — eram sorteados para uma conversa com o presidente, na qual cada um tinha cinco minutos para falar antes de minhas respostas e do debate. Nenhum dos sorteados poderia ter função de comando. Mensalmente me reunia com a comissão dos empregados, eleita por eles. Assim conhecia a visão de quem estava na linha de frente e, muitas vezes, distantes das pressões dos chefes.
Aprendi também em visitas que fiz a três empresas de comunicação pública da Argentina e duas de Portugal, com as quais assinamos acordos de cooperação, e à TV pública da África do Sul, com a qual tínhamos iniciado conversas para um acordo. Aprendi muito ao participar do Seminário de Mídia dos Brics, em Johanesburgo, e da reunião anual, em Praga, da Public Broadcasting International (PBI), com a participação de emissoras públicas de quase 30 países. Em ambas pude falar sobre a retomada da EBC depois de seis anos de governos hostis à empresa.
Os problemas estruturais e conjunturais que constatei na EBC, o contato direto com dirigentes da comunicação pública de diversos países e as visitas às empresas estrangeiras, conhecendo inclusive seus programas e instalações, me animaram a buscar soluções para a comunicação pública brasileira e ocupei uma parte de meu pouco tempo livre atualizando leituras sobre o tema.
Com seis meses na presidência, já tinha consolidado o que era, desde as primeiras semanas na empresa, uma forte suspeita: a EBC não faz, e sem mudanças estruturais não fará, comunicação pública. Não cumpre, assim, sua missão fundamental. Há, nos veículos da EBC, elementos de comunicação pública, há a intenção de alguns dirigentes e empregados de fazer comunicação pública, mas não há comunicação pública em seu sentido pleno.
Se há realmente a intenção de fazer comunicação pública na EBC e no Brasil, é preciso mudar muita coisa. A EBC pode continuar funcionando no atual modelo, se preferirem, mas não estará cumprindo sua missão fundamental e — o que é duro de admitir — estará usando mal os poucos recursos públicos de que dispõe.
Infelizmente minha gestão foi interrompida por um incidente de menor importância, que com o tempo entendi ter sido apenas o pretexto usado para me afastar da empresa, por razões que hoje tenho mais claras e me parecem óbvias para quem acompanha o que acontece na EBC. Duas semanas antes de eu repostar no X o post que foi o pretexto para a demissão, duas comissionadas da empresa indicadas por critérios políticos, uma delas íntima da família do ministro que me demitiu, já diziam a algumas pessoas que eu não passaria de 30 de outubro.
Poucos dias antes da demissão, eu tinha anunciado aos diretores e superintendentes que pretendia, em novembro ou início de dezembro, fazer uma imersão de dois dias para discutirmos amplamente a empresa e pensarmos em seu futuro. E tinha anunciado também que neste ano de 2024 pretendia realizar um seminário, com a presença de personalidades nacionais e internacionais, para discutirmos a comunicação pública no Brasil.
Apesar de não ter mais vínculo com a EBC e não trabalhar na comunicação pública, entendi que não deveria arquivar o que aprendi nos nove meses, mas expor publicamente minhas reflexões e posições sobre a empresa e seu objeto. Até porque vejo entidades e pessoas, dentro e fora da empresa, falando muito em comunicação pública, mas sem atacar as questões fundamentais que a impedem e muitas vezes com uma visão excessivamente corporativista e utilitária da EBC.
Apresento aqui o que penso de forma sucinta e direta, sem pretensões acadêmicas e sem pormenores excessivos. Não esgoto todos os temas relacionados, naturalmente. Não conto, para preservar os protagonistas, episódios da minha gestão, internos e externos, que poderiam sustentar algumas das ideias que defendo. Apenas lanço essas ideias e, como sempre, estou aberto ao debate — aos que quiserem debater.
A EBC não faz comunicação pública de verdade.
Emissoras públicas de rádio e televisão existem em muitos países, em todos os continentes. Alguns países têm também agências noticiosas públicas. Essas emissoras e agências são chamadas de públicas porque não pertencem a pessoas físicas ou empresas privadas e não são controladas pelos governos, mas pela sociedade civil. Há o pressuposto conceitual de que uma emissora ou uma agência pública têm independência de gestão e para definir sua programação, conteúdo e a linha editorial de seu jornalismo, sem se atrelar a interesses empresariais (ou de um grupo social específico) e a governos.
Nem sempre é assim, ou totalmente assim. Há países em que os governos, apesar da teoria, acabam interferindo ou procurando intervir, de alguma maneira, nas emissoras e agências públicas, e há nelas diferentes modelos de gestão, participação social, organização e financiamento. Há casos de comunicação pública mais bem-sucedidos, outros que enfrentam crises periódicas ou constantes, especialmente financeiras. Mas, em todos os países em que existe um verdadeiro sistema público de comunicação, há uma preocupação central, na sociedade e entre seus dirigentes e trabalhadores, com a independência na programação, linha editorial e gestão.
É assim, apenas como exemplo para mostrar a abrangência da comunicação pública, nos Estados Unidos (PBS e NPR), Reino Unido (BBC), Espanha (RTVE), África do Sul (SABC), Itália (RAI), Portugal (RTP e Lusa), Japão (NHK), Canadá (CBC), Suécia (SVT), Dinamarca (TV2), Austrália (ABC), Irlanda (RTE) e Países Baixos (NPO), entre muitos outros. Na América Latina temos veículos de comunicação pública em vários países, como Chile, Uruguai, Colômbia, Peru, Costa Rica e México. Na Argentina, havia a Rádio e Televisão Pública, a agência Télam e a produtora Contenidos Públicos, com as quais firmamos acordos na Casa Rosada, mas que agora sofrem processo de destruição pelo presidente de extrema-direita. De modo geral, algumas com imperfeições, essas e outras emissoras e agências fazem comunicação pública.
No Brasil, temos a EBC, Empresa Brasil de Comunicação. A Constituição de 1988 estabeleceu a convivência de três sistemas de comunicação: privado, público e estatal. O sistema estatal federal estava dividido em algumas empresas e fundações, nas quais havia ensaios tímidos de comunicação pública. A EBC foi criada, em 2007, para unificar e desenvolver a comunicação pública federal e prestar serviços à comunicação governamental. E encabeçar o Sistema Público de Rádio e Televisão, integrado por emissoras educativas, culturais e universitárias de todo o país.
A intenção ao criar a EBC foi muito boa, pois a implantação de um sistema realmente público era necessária e positiva. A empresa passou, desde sua entrada em funcionamento, em 2008, por altos e baixos, avanços e recuos. Enfrentou seis anos de controle por bolsonaristas. Mas, infelizmente, 16 anos depois, constatamos que a EBC não é verdadeiramente uma empresa de comunicação pública. Faltam a ela e a suas emissoras (TV Brasil, Rádio Nacional e Rádio MEC) e à Agência Brasil elementos essenciais de uma comunicação pública: independência em relação ao governo; participação e controle social sobre sua programação e linha editorial; e autonomia financeira.
Separar o público do estatal e mudar a vinculação.
Misturar os sistemas público e estatal na mesma empresa e subordiná-la à Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom/PR) do governo federal foram os dois maiores erros na criação da EBC, mas os seus criadores e fundadores não devem ser criticados por isso. Esses erros, não intencionais, foram fruto de circunstâncias políticas do momento e justificáveis diante da originalidade e da importância do projeto. A EBC, como é, foi a solução viável encontrada naquele momento. O tempo mostrou, porém, e tem mostrado os equívocos de origem.
Temos de considerar que durante seis anos, entre 2016 e 2022, não houve a menor preocupação com a comunicação pública da EBC, e assim foi paralisado o que poderia ser um processo de avanço e correção dos equívocos originais. Agora, porém, não se justifica a persistência desses erros e é hora de, pelo menos, começar a corrigi-los.
Para isso, precisa haver a intenção e a vontade – principalmente do governo — de que o Brasil tenha realmente um sistema público de comunicação. Sabemos que para fazer mudanças essenciais no sistema de gestão e no funcionamento da EBC não basta que haja uma decisão do Executivo, será preciso ter a aprovação do Congresso Nacional – o que, no atual cenário político, torna o processo bem mais complexo, difícil e arriscado. A maioria dos atuais deputados e senadores – não só os conservadores e neoliberais, mas também muitos que se situam à esquerda — não tem a menor ideia do que seja comunicação pública. E, sabendo, os parlamentares ideologicamente privatistas não terão a menor vontade de incentivar a existência de comunicação pública no Brasil.
Mas não é impossível iniciar as mudanças, ainda que gradualmente. É preciso não nos acomodarmos e colocarmos as mudanças necessárias na pauta dos que defendem realmente um sistema de comunicação pública. Algumas mudanças podem ser iniciadas. Para começar, emissoras de rádio e TV e agência noticiosa que se pretendam públicas não podem, por princípio, estar subordinadas ao órgão que cuida da propaganda, da informação e da imagem do governo – a Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom). A rigor, não deveriam estar subordinadas a nenhum órgão governamental, mas a legislação brasileira exige a vinculação de empresas públicas a um ministério, o que tem se mostrado péssimo modelo, improdutivo e fator de crises entre ministros e diretores.
Mas, sendo infelizmente obrigatório o vínculo, seria então mais adequado vincular a EBC ao Ministério da Cultura, como foi proposto por vários integrantes do grupo de trabalho de comunicação na transição de governo, ou mesmo ao Ministério da Educação. O caráter da comunicação pública é sobretudo cultural e educativo, em seus sentidos mais amplos, além de informativo. Já foi dito que os veículos privados miram os consumidores, os governamentais visam os eleitores e os públicos se dirigem aos cidadãos.
É verdade que interferências indevidas de autoridades do governo em emissoras e agências públicas podem ocorrer, e ocorrem, independentemente de sua vinculação funcional. Qualquer ministro pode querer impor nomeações de apadrinhados incompetentes e cabos eleitorais, reclamar de um programa, pedir cabeças de profissionais, impedir a divulgação de uma notícia, querer tirar do ar uma informação correta mas para ele indesejável, ou exigir um programa para seu amigo.
Essas interferências são inconcebíveis quando se trata de veículos públicos, mas têm conotações políticas mais graves quando acontecem por ação de responsáveis pela comunicação e propaganda do governo. Afinal, a preocupação principal de um ministro ou secretário de comunicação é com a imagem do governo e com a divulgação de suas realizações, não com questões culturais e educativas e com a informação plural e isenta.
Não basta, porém, mudar a vinculação funcional, é preciso também corrigir o outro pecado original na criação da EBC e retirar da empresa a responsabilidade pela comunicação do governo, essa sim, atribuição óbvia e fundamental da Secom, e que deve por ela ser custeada. A EBC, formalmente, é uma empresa de comunicação pública que presta serviços ao governo. Na prática, presta serviços ao governo e tem a intenção de fazer comunicação pública.
A EBC administra o CanalGov, de televisão, a AgênciaGov, de notícias — criados durante a minha gestão para separar o público do estatal — e o bloco do Poder Executivo na Voz do Brasil, importantes e essenciais instrumentos de comunicação do governo federal, mas que nada têm a ver com a comunicação pública. Sistema público é uma coisa, sistema estatal é outra, como estabelece a Constituição.
A EBC deve se restringir à comunicação pública e a Secom deve assumir, em sua estrutura, a comunicação governamental. Se a EBC continuar a fazer comunicação de governo, sob comando da Secom, será preciso criar outro instrumento para a comunicação pública. Juntas, e ainda mais sob comando da Secom, não devem ficar.
Participação social e gestão democrática.
Para ser realmente uma empresa de comunicação pública, a EBC tem também de restaurar a participação da sociedade na definição e no controle de sua programação e de sua linha editorial – que hoje não é clara, embora exista um manual de jornalismo bem elaborado. Tem de ter, como nos demais países, um conselho que assegure essa participação. Até 2016 havia um conselho curador, extinto pelo então presidente Michel Temer, que em seu lugar criou, para dizer que não extinguiu a participação da sociedade, um conselho editorial e de programação com poucas e frágeis atribuições.
Esse conselho não foi regulamentado por Temer e por Bolsonaro, e nunca funcionou. Um grupo de trabalho instituído pela Secom em novembro para reconstruir a participação social optou por regulamentar o conselho criado por Temer, pois seria inviável restaurar o conselho curador anterior, o que dependeria de um Congresso majoritariamente conservador e de direita. Essa foi considerada, e é, uma solução melhor do que não ter conselho algum, mas obviamente não resolve o problema da falta de participação social. É um remendo.
Uma questão que se coloca nessa discussão, e não apenas no Brasil, é como assegurar nesse e em outros conselhos uma representação real da sociedade civil, não permitindo que o governo, partidos, segmentos sociais ou visões meramente corporativistas dominem e aparelhem os instrumentos de participação social, subordinando-os a seus interesses. Se os conselhos de participação social forem instrumentalizados pelo governo, por um partido ou um setor da sociedade, a representação social não será efetiva. É preciso haver critérios claros para impedir o aparelhamento.
Sem vínculo com a Secretaria de Comunicação do governo, separada institucionalmente da comunicação governamental e com representação efetiva da sociedade civil para definir sua programação e linha editorial, a EBC estará no rumo de fazer realmente comunicação pública. Mas é preciso mais: a participação da sociedade na gestão da empresa. Isso, pela legislação atual, é impossível.
O conselho de administração da EBC, atendendo ao que dispõe a legislação que rege as empresas estatais, é hoje quase totalmente integrado por representantes do governo federal, indicados por diferentes ministérios. A única exceção é o representante eleito pelos empregados. Até os dois membros chamados de “independentes” são indicados pela Secom, e não pela sociedade civil. Não são realmente independentes.
O conselho de administração de uma empresa ou de qualquer ente de comunicação pública não pode ser, como é o da EBC, 90% estatal. Tem de ter uma representação da sociedade civil no mínimo paritária em relação aos representantes do governo, mas o ideal mesmo é que a representação social seja superior à do governo. A maioria de representantes da sociedade, se há mesmo representatividade e não aparelhamento, assegura que a empresa tenha realmente gestão e controle públicos.
Logo, a EBC não pode ser uma empresa estatal — se continuar a ser, continuará subordinada ao governo. Pela Lei das Estatais, os diretores e conselheiros são escolhidos pelos acionistas. O acionista da EBC é a União Federal. Além disso, conflita frontalmente com a independência da comunicação pública (além de contrariar qualquer manual de gestão) o fato de o diretor-presidente e todos os diretores da EBC serem nomeados pelo presidente da República e demissíveis por ele a qualquer momento. O mandato do diretor-presidente, importante para assegurar sua independência, também foi extinto por Temer e não restaurado. O atual modelo coloca o presidente e os diretores totalmente dependentes e subordinados ao governo, o que também é inaceitável quando se trata de comunicação pública.
O modelo mais próximo do ideal, vigente em outros países, é o conselho de administração da empresa, integrado por representantes da sociedade e do governo, escolher o diretor-presidente e aprovar (ou não) os nomes por ele indicados para as diretorias da empresa. Em alguns países, são apresentadas candidaturas ou há um processo seletivo para a escolha do presidente e dos diretores. É fundamental que esses dirigentes, ou pelo menos o presidente, tenham mandatos fixos para protegê-los de interferências políticas, só podendo ser afastados — pelo conselho, nunca pelo governo — em situações muito especiais.
A indicação dos diretores pelo diretor-presidente (o que não acontece hoje), mesmo que submetida à aprovação do conselho, é importante para que haja uma gestão conjunta e eficiente da empresa. Nenhum especialista em gestão se arrisca a defender um modelo como o da EBC, em que o presidente da empresa não escolhe ou nem mesmo participa da escolha dos demais diretores e até dos superintendentes.
Um presidente obrigado a trabalhar com pessoas que muitas vezes sequer conhece e indicadas por outros não consegue exercer plenamente suas funções dirigentes e assume responsabilidades que lhe cabem pelo cargo, mas que fogem a seu controle. Além disso, a tendência desse sistema é a feudalização da empresa pelos diretores, que não se sentem obrigados a prestar contas ao presidente, mas a quem os indicou e os nomeou.
A comunicação pública não pode estar sob controle de um governo, pelo menos em um sistema que se considera democrático. A submissão ao poder governamental ou político prejudica a imagem pública da EBC, levando as pessoas a entender que seus canais de televisão e rádio e sua agência de notícias são meros instrumentos de propaganda oficial, e assim os rejeitando. A dependência ao governo, com mudanças de direção de acordo com as flutuações políticas e de forma arbitrária, impede planejamentos e políticas de longo prazo, além de promover desmotivação do corpo de empregados. Tudo isso afeta a credibilidade, essencial na comunicação, e estabelece um indesejável e negativo controle sobre os recursos financeiros disponíveis para a empresa.
Financiamento estável, previsível e sem submissão.
A dependência praticamente total da EBC ao Orçamento da União é outro empecilho à sua missão de fazer comunicação pública. É lícito que um serviço público seja custeado pelo Orçamento, mas essa situação submete a empresa, que precisa de independência, à vontade política do Executivo e do Legislativo, que têm assim um instrumento forte para pressionar e até para inviabilizá-la.
Nada impede que a EBC receba recursos do Orçamento, como acontece em outros países, mas, para garantir sua independência e permitir o planejamento a longo prazo, a comunicação pública precisa ter fontes mais estáveis, previsíveis, transparentes e seguras de financiamento. Uma delas deve ser a Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública (CFRP), desde que efetivamente recolhida pelas empresas de telefonia (algumas mantêm pendências judiciais) e integralmente destinada à EBC e à Rede Nacional de Comunicação Pública, o que, injustificadamente, não acontece hoje, até pela falta de regulamentação da lei.
Outras fontes estáveis de receita, existentes em vários países, podem ser estudadas, embora sejam de difícil implantação no Brasil. Há, por exemplo, taxas incidentes sobre compra de aparelhos de televisão, sobre o consumo de energia e telefonia e sobre gastos com publicidade governamental, ou mesmo sobre o valor das concessões de canais a empresas privadas e sobre assinaturas de canais pagos. Há países em que os canais privados contribuem expressivamente no financiamento das emissoras públicas. Não há aqui no Brasil, porém, uma compreensão da importância da comunicação pública que leve os cidadãos a aceitarem pagar por ela, por pouco que seja. E o atual Congresso dificilmente aprovaria legislação que dê recursos à comunicação pública.
Mas, liberada dos altos custos da necessária comunicação governamental, que passariam a ser arcados integralmente pelo orçamento da Secom, a EBC poderá manter as emissoras e a agência públicas com os recursos da CFRP e receitas próprias da empresa, como apoios culturais e patrocínios a programas, publicidade – pelo menos institucional — governamental e privada, doações, venda de direitos e conteúdos e prestação de serviços de comunicação. Mas, para isso, será preciso que essas receitas sejam realmente incorporadas ao caixa da empresa e possam por ela serem utilizadas, o que não ocorre hoje por ser a EBC uma empresa estatal dependente do Tesouro Nacional.
Justifica-se, assim, discutir uma mudança do formato institucional da comunicação pública. Se uma empresa pública dependente do Tesouro, como a EBC, não pode ter a participação da sociedade em sua gestão e não pode dispor integralmente dos recursos que arrecada, é preciso encontrar um modelo que permita a participação social e a plena apropriação desses recursos. Pode ser uma associação civil de interesse coletivo e utilidade pública, como a Apex, ou um serviço social autônomo, como a Embratur. Outras alternativas podem ser avaliadas, o importante é que funcionem adequadamente e com a agilidade essencial à comunicação, e permitam a captação de recursos para a instituição, e não para o Tesouro Nacional.
Audiência sem perder a qualidade.
Há ainda uma questão que tem de ser considerada em relação à EBC: seus canais públicos – televisão, rádios, agência e internet – estão atendendo aos critérios estabelecidos para a comunicação pública? Não se trata agora da questão da independência e da participação social na definição da programação e da linha editorial, mas uma avaliação sob o prisma da qualidade, relevância, pluralidade, inclusão social, diversidade e acessibilidade; da promoção da cidadania, da identidade nacional, das culturas locais e dos princípios democráticos; do objetivo de informar, educar e entreter, da contribuição para a elevação do nível educacional e cultural do povo brasileiro.
Não é possível ter uma resposta única para essa questão. Cada veículo tem suas características próprias e suas peculiaridades, o grau de cumprimento desses requisitos varia não só entre os veículos como no interior de cada um deles. Há intenção, de alguns, de cumprir os requisitos. Mas essa reflexão, infelizmente, não tem sido feita na EBC, e falta à empresa – e a cada um dos veículos – um planejamento estratégico de longo prazo que considere todos esses aspectos para a elaboração de uma programação e uma linha editorial que cumpram efetivamente os princípios da comunicação pública.
É aqui, principalmente, que os pontos abordados anteriormente, referentes à independência, participação social e gestão, confluem para dificultar o cumprimento, pela EBC, de uma exigência básica para qualquer veículo de comunicação: ter audiência, chegar às pessoas. Para veículos de comunicação pública, ao contrário do que alguns dizem e defendem, a audiência é também fundamental. A comunicação pública não pode nem precisa existir sem público. Não tem sentido investir em um canal de televisão que pouquíssimos assistem, ou comemorar quando um programa de televisão atinge 0,2 de audiência. As emissoras de rádio têm cumprido melhor suas funções de comunicação pública, de acordo com suas características.
Canais de comunicação pública têm de ter a preocupação e o objetivo de atingir o maior número possível de cidadãos, pela TV, pelo rádio, pelas redes sociais, pelo streaming ou pela agência de notícias. Enfim, por todas as plataformas hoje disponíveis. Não se trata de disputar audiência com as emissoras privadas, que levam enorme vantagem por terem mais recursos financeiros, muito menos de adotar a programação popularesca ou o recurso a manchetes sensacionalistas que atraem engajamentos nas redes. Trata-se de a empresa ter as condições necessárias — humanas, tecnológicas e financeiras — para pensar, desenhar e executar programações originais e criativas que, sem fugir aos requisitos da qualidade e dos princípios da comunicação pública, tenham audiências significativas, ainda que menores do que emissoras privadas.
A TV Brasil tem de chegar a todos, privilegiando o acesso aos que mais precisam e têm dificuldades para receber a informação, a educação e o entretenimento que contribuam para a cidadania, para a cultura e para a democracia. Têm de definir uma estratégia multiplataforma que possibilite acesso a um maior número de pessoas, desenhar a programação pensando em atrair e atender ao público sem abdicar da qualidade, e refletir a diversidade cultural, étnica e regional do país.
Desenhos animados ajudam a aumentar a audiência, mas a programação infantil tem de ir além do entretenimento, agregando conteúdos informativos, educativos e culturais. O mesmo deve acontecer com a programação juvenil, que tem de entreter, buscar a interação social e ser formativa. Aprender se divertindo é um bom conceito para as emissoras públicas, e não apenas para crianças e adolescentes.
Transmissões de jogos de futebol também ajudam a aumentar a audiência e podem ser usadas para atrair público para o canal de TV, mas não bastam por si só. A audiência maior de uma partida de futebol em si nada acrescenta a uma emissora pública — além de melhorar os índices no Ibope — a não ser que essa audiência seja também atraída para outros programas. E, além disso, programas desportivos têm de ir além da transmissão de eventos: têm de ser educativos e contribuírem para o conhecimento e a formação da cidadania, entre outros aspectos. Em suma, entreter é fundamental, mas com preocupação de educar e formar cidadãos.
As novelas têm tido as maiores audiências na TV Brasil, mas além de terem um público numericamente inexpressivo, em nada têm ajudado na elevação cultural da população e na difusão de valores cidadãos e democráticos. Os programas ficcionais são muito importantes e se o ideal da produção própria de novelas, séries e filmes é inviável hoje (e talvez não seja viável tão cedo), a seleção do que comprar e exibir tem de passar por critérios que não recomendariam algumas escolhas que têm sido feitas nos últimos anos.
O mesmo vale para os filmes, que devem ser escolhidos não só sob o critério da qualidade artística, mas também para contribuir na fixação da identidade nacional, no conhecimento de fatos históricos, na inclusão, na promoção da igualdade racial, na valorização das culturas populares e dos povos originários. Não é qualquer filme que deve ser comprado, mas aqueles que, além do valor artístico, possam agregar esses valores. E é preciso ajudar na difusão de produções independentes e regionais, desde também que estejam dentro dos critérios artísticos, culturais, educativos e éticos.
As emissoras públicas não podem simplesmente espelhar e repetir modelos de programação das emissoras privadas (novelas, filmes, futebol, telejornais, entrevistas) acrescentando documentários e conteúdos de arte e cultura mais voltados para um pequeno segmento da população, sem a preocupação de ir além da bolha cultural. É preciso pensar em novas fórmulas, em uma programação diferente e criativa, envolvente, pedagógica, em agendas da cidadania e não dos poderes políticos e econômicos. Pensar em programas produzidos pelos cidadãos e pelas comunidades. Existem bons exemplos desses programas no mundo, inclusive na América Latina.
Os telejornais também não podem ter o formato tradicional das emissoras privadas, com apenas alguns momentos de conteúdo diferenciado, ao tratar de temas geralmente não abordados por elas. Têm de ter um formato diferente, combinar melhor a informação imparcial e a análise que contextualize os fatos e promova a visão crítica, além de promover o debate, zelando pela pluralidade de opiniões e pela inclusão dos que são marginalizados no segmento privado.
Há bons programas na TV Brasil, mas a emissora não consegue, hoje, ter a programação que deveria ter. Sem planejamento estratégico, sem organismos dirigentes com autonomia e estabilidade, sem participação da sociedade, sem recursos financeiros suficientes e garantidos, é quase impossível planejar e executar uma programação de qualidade, que cumpra os objetivos da comunicação pública e que, ainda que progressivamente, tenha audiência que justifique a sua existência.
Há outras questões que têm de ser debatidas ao se falar na EBC, como a péssima estrutura organizacional, na qual, por exemplo, a gestão dos veículos é fracionada e não há um responsável por cada um deles; o plano de cargos e salários defasado e ruim, que leva a uma série de distorções; o sucateamento do importante Parque de Transmissões do Rodeador, em Brasília, que por sua importância para as comunicações transcende a EBC; a deficiência na cobertura internacional; as dificuldades burocráticas que prejudicam a agilidade necessária nas áreas de produção e jornalismo. Há outras, mas todas elas subordinadas às questões maiores que inviabilizam a verdadeira comunicação pública.
As mudanças estruturais na EBC são essenciais para que a comunicação pública exista de fato e avance no Brasil. Sem elas, a empresa continuará patinando, por mais dedicação que tenham e esforços que façam seus empregados e dirigentes. As baixas audiências e a falta de credibilidade continuarão a alimentar os que, por ideologia, interesses ou oportunismo, querem acabar com o projeto de comunicação pública no Brasil.
Nota da Redação: Flávio Dino manda mais na Esplanada do que em seu novo gabinete no Supremo.