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Hernández, o flamenguista sem nenhuma paciência

Apesar do pouco contato que tive com o Hernández, não mais do que alguns meses trabalhando na mesma seção em certa repartição pública, ainda hoje, passados quase 20 anos da minha aposentadoria, guardo na memória certos momentos, quando ele nos divertia com sua completa falta de humor. Verdadeiro rabugento, mas que, no seu peculiar modo de enxergar o mundo, ainda assim, conseguia enternecer os que tiveram o privilégio de conhecê-lo.

Do alto daqueles quase dois metros, o meu colega não suportava comentários esdrúxulos a respeito dos seus pensamentos, ainda mais se o incauto fosse torcedor de outro time que não o Flamengo. E nem adiantava questioná-lo sobre os notórios assaltos que alguns árbitros promoviam a favor do seu time de coração, pois ele sempre possuía uma frase de efeito: “Olha aqui, seu ser supostamente pensante, melhor um apito amigo do que um que seja inimigo!”

Eu, que nunca fui torcedor de qualquer agremiação, me fiz flamenguista para agradar os impulsos futebolísticos do Hernández. Por isso, tratei logo de aprender alguns fatos sobre a gloriosa… Quer dizer, já estava me confundindo com aquele outro time. Pois bem, estudei sobre passagens vitoriosas do Mengão para conseguir convencê-lo. Não sei se consegui, mas arranquei muitas risadas do Gilmar e do Flávio, que completavam a equipe.

Certa vez, durante aquelas tardes de verão que nem o ar condicionado consegue apaziguar a situação, o Hernández parecia ainda mais irritado. Qualquer coisa era motivo para resmungos, que eram jogados no ventilador e, por isso, não havia viva alma que conseguisse escapar dos respingos de rabugice do meu amigo. E foi o que aconteceu durante uma quarta-feira, quando iria acontecer mais um clássico entre o time do Hernández e o Atlético Mineiro.

A Marina, mineira de Belo Horizonte e torcedora fanática do Galo, apareceu na nossa sala, onde o clima já não estava dos melhores. Ela até tentou se manter discreta, mas foi provocada pelo Gilmar, que sempre gostou de ver o circo pegar fogo.

— E aí, Marina, parece que hoje vai ter sopa de galo no Maracanã.

— Ih, Gilmar, isso não vai acontecer de novo, pois os flamenguistas não podem mais contar com o maior ídolo da história deles.

— O Zico?

— Não, o José Roberto Wright.

Nisso, eis que eu, inocente, puro e besta, ainda fui perguntar quem era esse tal José Roberto, quando o Hernández, do alto da sua notória falta de paciência, balançou a cabeça e mandou essa:

— Sou uma ilha cercada de mentecaptos!

*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.

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