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Apolônio, o sonhador

Herói imaginário cai na real com tombo da rede

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Irene Araújo

Apolônio era, antes de qualquer coisa, um sonhador. Mesmo acordado, não era raro divagar sobre situações pelas quais ele jamais havia passado e, possivelmente, nunca iria viver. Os mais chegados, então, nem ligavam para aquelas fantasias, tamanha a capacidade dele de borboletear, como gostava de dizer dona Gertrudes, sua mãe.

Trabalhava como escrevente num cartório. Passava o dia inteiro conferindo assinaturas, batendo carimbos, rubricando aquela rubrica sem floreios. Um simples A com três pontos no cantinho esquerdo. Diante de tanta empolgação, é de se admirar que ainda tivesse tempo para se imaginar surfando altas ondas no Havaí, escalando o Monte Everest três vezes antes mesmo do café da manhã, pulando de um cipó direto num rio para lutar contra crocodilos famintos. Os devaneios povoavam a mente daquele homem.

Os relacionamentos amorosos não duravam muito. Não por culpa das mulheres, que até insistiam para que o namoro persistisse. Todavia, após algum tempo, nem as mais apaixonadas conseguiam resistir a abandonar aquele desvairado. Apolônio, a princípio, ficava tristonho, mas logo achava até bom ficar sozinho, pois, assim, poderia sonhar sem ser interrompido por um beijo em um momento inoportuno como, por exemplo, quando estava saltando de paraquedas.

Depois dos 40, Apolônio deixou de aceitar convites até para casamentos, quanto mais para enterros. A rotina era da casa pro trabalho, do trabalho pra casa. Não via a hora de se aposentar para não precisar sair de casa. Talvez apenas uma chegada até a esquina para comprar pão para a semana inteira. Faria torradas, caso o pão ficasse duro. Torradas durante uma semana, torradas por um mês. Quem ligava se comesse torradas por um ano ou mais?

Durante as férias, fez um grande estoque de pães de todos os tipos. O forno trabalhou intensamente para produzir tantas torradas. Trinta dias trancafiado dentro daquele apartamento com poucos móveis. O mínimo necessário. Afinal, ele poderia ser convocado para uma missão para salvar o mundo a qualquer momento. E parece que esse dia havia chegado.

E lá estava o Apolônio montado em um lindo cavalo negro para enfrentar um bando de criminosos. Além de assaltarem o único banco da cidade, os bandidos ousaram em raptar a mais linda donzela da região. Ele precisava enfrentar aquele perigo sozinho, pois ninguém mais queria arriscar a vida. Destemido como ele só, eis que o herói, depois de um tiroteio de quase uma hora, conseguiu prender todos os assaltantes.

Apolônio, com uma corda, amarrou os salafrários, ao mesmo tempo em que a população inteira da cidade chegou ao local. Todos o aplaudiram. O herói, então, caminhou tranquilamente até a donzela raptada e a libertou do cativeiro. Seu nome era Eugênia. Ela sorriu e o abraçou. Em seguida, os dois, mãos dadas, surgiram diante da plateia eufórica. Os aplausos se intensificaram. Todos o admiravam!

Apolônio assoviou para o garanhão negro, que correu veloz e parou diante dos pés de seu dono. O homem montou no lindo cavalo. Ele puxou Eugênia pela mão. No entanto, assim que ela subiu na garupa do cavalo, este desabou ao mesmo tempo em que Apolônio caiu no chão duro e frio da sacada. Um dos ganchos da rede havia rompido.

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