José Escarlate
No meu tempo de repórter da Revista do Esporte – do grupo da Revista do Rádio -, conheci uma figura de quem me tornei amigo. Vicente Matheus, empresário da construção pesada, apaixonado pelo Corinthians e seu presidente. Por dever de ofício, várias vezes o entrevistei. Afinal, Vicente Matheus sempre era notícia. Agendava o encontro, geralmente pela manhã em sua casa, em frente ao clube. Além do papo, ainda almoçava.
“Seu Vicente”, como o chamavam, era pessoa carismática, brincalhão e polêmico. Muito divertido. Todo o papo era entrecortado por um enxame de erros gramaticais e frases inusitadas. Falava abertamente do que não gostava, mas procurava dar a mão a todos. Seu vice era o advogado Wadih Helu, que depois tornou-se inimigo.
Uma dessas entrevistas me causou sério problema. Seu Vicente estava louco de raiva com o ex-vice, Wadih Helu, dizendo que fora traido por ele. Wadih passou a perna em Matheus e o derrotou nas eleições do clube. Assumindo o comando, Wadih Helu, a olhos vistos, usava o clube para beneficiar-se politicamente. A partir do final dos anos 50, Wadih Helu foi adversário de Vicente Matheus.
“Ladrão e mentiroso” – Seu Vicente, na derradeira entrevista, ia além e acrescentava que “também financeiramente”. Culminava com a frase: “O presidente do Corinthians é ladrão e mentiroso”. Fiz a matéria e no meio do texto coloquei esse desabafo. Dois dias depois, sem ter visto a revista, fui ao clube saber as novidades. Logo à entrada do Parque São Jorge, encontrei Wadih Helu, nervoso, vermelho e gritando para os seguranças.
“Baixa o pau nele. Eu garanto”. E três armários daqueles de oito portas começaram a me dar porradas, que só não foi além por interferência de outros sócios. A revista chegara a São Paulo e na página três, em negrito, tinha a manchete, feita pelo Borelli Filho: “Presidente do Corinthians é ladrão e mentiroso” assim, aspeada, com foto de Wadih. Eu não sabia de nada. Fui levado à casa de Matheus pelo jornalista Paulo Planet Buarque e, de lá, ao IML para o exame de corpo delito. A Revista do Esporte mandou um advogado me acompanhar, registrou a ocorrência e determinou que eu retornasse ao Rio. Foi a segunda surra da minha carreira.
Excesso de zelo – Dois anos antes eu havia sido agredido, num domingo, em pleno campo do Madureira, no Rio, pela Guarda Municipal, por conta de uma reportagem, com texto e fotos, mostrando guardas municipais levando “bola” dos comerciantes de uma feira livre de Madureira. O editor, um gaiato, feliz da vida, colocou minha foto como autor do texto.
A terceira surra – esta oficial – aconteceu em Brasília, por ocasião da inauguração do então novo aeroporto, em 1970. Os seguranças do major Luiz Carlos de Avellar Coutinho acharam que eu estava muito perto do Médici, me deram uma cutelada no rim e eu cai. Dali me arrastaram para um outro local, arrancaram a minha credencial e, depois de alguns chutes, sumiram.
Testemunhou a meu favor, entre outras autoridades presentes, o ministro do Trabalho, Júlio Barata, que passou uma descompostura nos agressores. Dias depois, o major Coutinho veio me pedir desculpas pelo excesso do seu pessoal.
Valendo um livro – Voltando ao Vicente Matheus, ele deixou histórias inesquecíveis, com tiradas magistrais como aquela declaração, em pleno Pacaembu, após o Corinthians ter conquistado um torneio internacional de futebol.
Depois de convocar a torcida para festejar o feito no Parque São Jorge, Matheus, bem à sua moda, não se conteve: “Aqui, de público, quero agradecer à Antárctica as Brahmas que ela mandou para essa festa”. Seu vocabulário e suas tiradas eram inéditas, como o desabafo de que “o difícil não é fácil”, e outras.
O histórico era imenso. Seu Vicente, em uma viagem do clube, ao ser indagado pela atendente de um hotel onde o Corinthians se hospedaria se havia reserva, foi curto e grosso: Claro que tenho reserva, ou a senhora acha que eu viajaria só com os titulares ?”
Figura folclórica com suas máximas que divertiam amigos e desafetos, Vicente Matheus não agradava jornalistas. Recebia-os de peito aberto e dizia que alguns deles chegavam a lhe pedir dinheiro para escrever coisas positivas sobre o Corinthians e sua administração. O espanhol Vicente Matheus, naturalizado brasileiro, certa vez chegou ao clube com tersol.
Um conselheiro, tentando ser agradável indagou: “O que é isso, Matheus?”.
Com sua simplicidade, respondeu:“É tersol no olho !” O diretor, mais que depressa reagiu: “Tersol no olho é pleonasmo, Matheus”. À tarde, encontrou um repórter que perguntou: “O que é isso no seu olho?” “Eu já não sei mais”, respondeu Matheus. “Uns dizem que é tersol, outros dizem que é pleonasmo”.
A verdade é que, através da mídia, Vicente Matheus alcançou a fama. Faleceu em 1997, de câncer, após ficar 14 dias internado no Instituto do Coração. Foi sepultado no cemitério da Quarta Parada em São Paulo.