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Histórias de uma invenção brasileira que deu certo

Para todo fim existe um meio. Depois de 25 anos de comprovado êxito interno e externo, uma grande sacada tecnológica brasileira acabou no olho de um furacão criado para esconder o fracasso de uma gestão. Era o meio para tentar um pleito sabidamente perdido. Dissipada a cortina de fumaça, sem os Frankenstein eleitorais e limitado ao cercadinho, o acuado presidente teve de mudar o enredo. Após vãs tentativas de hackers e alardes de provas de fraudes que nunca chegaram onde deveriam, o sistema eletrônico de votação completou um quarto de século exatamente como foi criado: inquestionavelmente seguro. Ao longo desse período, participei, in loco ou como espectador, de cinco eleições, um referendo e numerosas conferências relativas à segurança da urna eletrônica.

Ao lado dos ministros Nelson Jobim, Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Ellen Gracie, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Carlos Ayres Brito e Joaquim Barbosa, entre outros do STJ e da representação da OAB, jamais tive dúvidas acerca da lisura do equipamento experimentado pela primeira vez nas eleições municipais de 1996. Como se fosse um mantra unificado – e não era – todos os magistrados que presidiram ou passaram pelo TSE tinham o mesmo discurso: o voto dado será op voto contabilizado. E diziam isso porque sabiam que não teriam de negar nada logo à frente. E nunca tiveram. Ou seja, contra os fatos os argumentos sempre foram pífios, sem embasamento e sem firmeza. Como são até hoje. Depois de meses de frustradas tentativas de desacreditar o processo eleitoral, a guerra surda protagonizada pelo presidente da República chegou ao fim sem a necessidade de uma crise mais aguda.

As vozes do povo e da sensatez falaram mais alto e o Congresso sepultou de vez o sonho maluco de recuperar o retrógrado voto impresso. O país e os eleitores foram os grandes vencedores do imbróglio criado unicamente para tumultuar antecipadamente um pleito que pode ser vencido por qualquer um, menos por ele. Faltam-lhe votos suficientes para continuidade das perversidades políticas que assistimos diariamente faz dois anos e oito meses. A confusão gerada a partir do Palácio do Planalto não ficou sem respostas. A cada estocada, o presidente do TSE, ministro Luiz Roberto Barroso, mostrava ao Brasil e ao mundo quem estava errado. Começou a ganhar definitivamente a contenda quando, com sua voz pausada e tranquila, disse que haveria eleição e sem o voto impresso.

Lembrou a coragem de outro “herói” da Justiça Eleitoral contra bravatas extemporâneas. Nelson de Azevedo Jobim presidiu o tribunal entre 2001 e 2003. A memória jobiniana era tão pródiga como sua rapidez na solução de imbróglios eleitorais. Dois deles são memoráveis e envolviam um candidato a deputado federal e outro estadual. Em Viseu do Pará, município com pouco mais de 55 mil habitantes, o concorrente à Câmara dos Deputados era um padre. Ele recorreu ao TRE do Pará afirmando ser bastante conhecido na cidade, mas que só havia recebido um voto, apesar da massiva propaganda de base. O caso chamou atenção do ministro pelo inusitado. Fomos à cidade. Jobim e Paulo Camarão, um dos mentores do sistema eletrônico de votação, mataram a charada em poucos segundos. Iniciado o processo de checagem na sede do tribunal local, chegamos ao candidato, que havia feito a campanha nas ruas de calça jeans, manga de camisa e uma razoável barba.

Na urna eletrônica havia colocado uma foto colorida, de terno, cabelo aparado e sem barba. Resumindo, nem os familiares e amigos mais próximos o reconheceram. Não adiantaram as rezas, perdeu a eleição porque preferiu se apresentar cheiroso aos eleitores. No mesmo pleito, outra situação muito parecida. Um candidato a deputado estadual da cidade paulista de Borá, então o menor colégio eleitoral do país (algo como 830 eleitores), representou protestando contra a lisura e inviolabilidade da urna. Gravíssima, a denúncia dava conta de que uma mesma pessoa, com a mesma filiação e endereço, teria votado três vezes em uma das duas seções eleitorais do município. Nova viagem e, mais uma vez, rapidez na solução. O CPF mostrou a resposta. Eram três irmãs de um pai desavisado ou maluco. Elas tinham nomes e sobrenomes idênticos, com a ressalva do acento. Maria, Mária e Mariá.

Novamente Jobim salvou a engenhoca criada pelo físico nuclear Paulo Camarão e bancada pelo ministro Carlos Velloso. Desde as primeiras investidas do mandatário do país, Luiz Roberto Barroso deixou bem claro que o voto impresso seria um risco para o processo. Com todas as letras, disse que a adoção do monstrengo, além de não conferir elemento extra para auditoria das eleições, causaria uma confusão infernal, com discurso generalizado de fraudes e judicilaização da votação. Com a tranquilidade de sempre, contribuiu para livrar o país do populismo extremista, autoritário e golpista. Com uma canetada, Barroso selou a paz com o Planalto. Criou uma tal comissão de transparência das eleições, incluindo um representante das Forças Armadas. Esta semana, o presidente da República pediu tranquilidade ao povo brasileiro, afirmando que haverá eleição e que ele não irá melar o processo.

Mesmo carregando um pote até aqui de mágoa, assegurou que, com as Forças Armadas participando, não tem porque duvidar do voto eletrônico. Enquanto avalio para dar crédito ou não ao que lei, penso no que houve nesses dois últimos meses. Ele se conscientizou da derrota? Percebeu que não tem a força que imaginava ter? Foi definitivamente emparedado? Ou quer voltar a ser amigo de infância de Barroso? Tudo bem. Bem vindo à sociedade madura, ordeira e democrata. O problema é que o “herói” das eleições de 2022 fala mais alto, ruge se necessário, não tem papas na língua e nenhum fio de cabelo para perder. A pronúncia de seu nome assusta os alicerces das bases bolsonaristas. Ex-promotor de Justiça, seu nome é Xandão, alcunhado pelos defensores do ex-deputado Roberto Jefferson de o Malvadão do Jardim Europa. É dele a tarefa de manter viva a história de uma invenção brasileira que deu certo. Ao povo do tumulto, um recado: corram que Xandão está chegando.

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