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Adeus, velhotes

Histórias ouvidas pela menina Bea e a estrela Alpha

Publicado

Autor/Imagem:
Gilberto Motta - Texto e imagem

Dois amigos viajando pelo mundo resolveram descansar na sombra de uma grande árvore, um pé de jaca. Um deles dormiu um sono profundo. O outro não. O que dormiu começou a roncar, virou de um lado, virou de outro, de repente abriu a boca: de dentro de sua boca saiu uma lagartixa azul, belíssima. O outro viajante ficou quieto, só olhando. A lagartixa caminhava pelo peito do amigo que dormia e roncava. Pertinho deles havia um riacho. No meio da água, entre uma pedra e um pouco de terra, tinha brotado uma flor. A lagartixa, sempre alegre e dançarina, começou a acariciar a flor.

O viajante que estava acordado, de brincadeira, resolveu gritar e jogar um pouco de água no bichinho. Tadinha! Levou um susto tão grande que, apavorada, voltou correndo para dentro da boca do amigo que dormia. Maldade! O sono do moço ficou agitado, esquisito! Então, ele abriu os olhos e disse:

“Puxa vida! Tive um sonho tão estranho! Sonhei que estava viajando por uma estrada maravilhosa e cheguei na beira do mar. Decidi, então, arranjar um barco e atravessar o oceano. Acabei chegando numa ilha misteriosa. Fui recebido como um rei e comi as melhores comidas e as frutas mais saborosas. Dias depois, explodiu um temporal terrível, um vendaval. A ilha começou a afundar. Resolvi voltar para a minha terra. Peguei o barco, corri riscos, naveguei e enfrentei o mar bravio com ondas assustadoras. Quando cheguei de volta, um dragão feroz havia tomado conta de minha casa. Enfrentei o dragão: peguei minha espada e lutei e venci. Ele fugiu gritando e depois acordei. Meu pai, então disse-me: “[…] as histórias são assim mesmo, verdadeiras ou inventadas, são assim…essa aí veio lá do oriente, de muito longe”.

****

Alpha olhou pra mim e disse:

– Tá vendo, pequena amiga, “Há mesmo orelhas para enxergar e cílios para ouvir. Sim, tudo é possível quando falamos a língua dos anjos…Não fosse assim, como a poderíamos compreender histórias absurdas como esta…lagartixas, dragões…o tempo, menina, o tempo…por isto os avôs e avós é que sabem contar essas história; agora, eu também sei porque você um dia a ouviu de teu pai e me contou. Orelha é legal, não?…piração, Beatriz, piração, né?!”

E então a menina Bea e a estrela Alpha seguiram contando e ouvindo histórias pelas noites afora.

****

Era inverno e a menina saiu para passear com o avô numa grande praça no centro da cidade. A graminha estava toda queimada pela geada e as árvores já estavam quase carecas pela queda das folhas. O vento soprava forte e não havia ninguém mais na rua. A certa altura, o avô parou próximo de alguns jovens carvalhos.

– Está notando alguma coisa estranha, querida? –perguntou o avô.

– Não sei… bem, acho que sim –respondeu ela insegura-, essas arvorezinhas ainda têm folhas. Estão todas sequinhas, mas as folhas ainda não caíram; estão lá!

– Certíssimo, garotinha! Os carvalhos nunca deixam cair todas as folhas durante o inverno. E sabe por quê?

A menina pensou, pensou e abanou a cabeça dizendo que não.

– Ouça – disse-lhe o avô.

Naquele instante, uma rajada de vento sacudiu os ramos e dos ramos saiu um barulhinho seco e leve. Parecia muito com o barulhinho do rabinho da cascavel que tinha visto na televisão.

– Ouviu? Esta é a voz do carvalho no inverno. Se não fossem as folhas secas, poderia ser facilmente confundido com a goiabeira ou com um eucalipto. Cada árvore tem a sua própria voz. Só é preciso aprender a ouvi-la.

A tarde chegou e o sol começou a se despedir do dia. Caminhando para a saída da praça, a menina não sentia mais nem o nariz nem os pés. “Brrruuuumm! Mas que frio!”, comentou. Apenas a mão que segurava firme a do avô ainda estava quente. De vez em quando um saco de plástico de supermercados rodopiava no ar como pipas enlouquecidas.

– Vovô –gritou Beatriz-, os sacos de plásticos também falam?

– Sim, os saquinhos, as latas, todo lixo que a gente produz…

– E as pedras?

– As pedras, os rios, os mares, as flores…

– E os carros?

– Víxi! Esses falam demais e muito alto. Para não falar dos ônibus, dos caminhões e dos tratores.

– E as roupas secando no varal?

– Sem dúvida alguma, meu amorzinho, sem dúvida… elas também falam. Se você prestar bem atenção nos lençóis balançando ao vento, na graminha verdinha que cobre o quintal, ah! Pode descobrir uma linguagem bem especial…um poema inteiro…

Naquela tarde, assim que retornaram para casa, a menina montou de cavalinho nas costas do ainda bem conservado avô e sussurrou bem baixinho em seu ouvido.

– Avô, você sabe mesmo de tudo!

O avô acariciou-lhe a cabeça com a mão direita e, com a esquerda, enxugou disfarçadamente uma pequena lágrima que desceu por seu rosto.

– Talvez, meu Anjinho… Talvez, minha pequena doidinha…Talvez!

Permaneceram assim, caminhando em silêncio, enquanto o sol se despedia de mais um dia lá no horizonte por detrás dos prédios da cidade.

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