Dois amigos viajando pelo mundo resolveram descansar na sombra de uma grande árvore, um pé de jaca. Um deles dormiu um sono profundo. O outro não. O que dormiu começou a roncar, virou de um lado, virou de outro, de repente abriu a boca: de dentro de sua boca saiu uma lagartixa azul, belíssima. O outro viajante ficou quieto, só olhando. A lagartixa caminhava pelo peito do amigo que dormia e roncava. Pertinho deles havia um riacho. No meio da água, entre uma pedra e um pouco de terra, tinha brotado uma flor. A lagartixa, sempre alegre e dançarina, começou a acariciar a flor.
O viajante que estava acordado, de brincadeira, resolveu gritar e jogar um pouco de água no bichinho. Tadinha! Levou um susto tão grande que, apavorada, voltou correndo para dentro da boca do amigo que dormia. Maldade! O sono do moço ficou agitado, esquisito! Então, ele abriu os olhos e disse:
“Puxa vida! Tive um sonho tão estranho! Sonhei que estava viajando por uma estrada maravilhosa e cheguei na beira do mar. Decidi, então, arranjar um barco e atravessar o oceano. Acabei chegando numa ilha misteriosa. Fui recebido como um rei e comi as melhores comidas e as frutas mais saborosas. Dias depois, explodiu um temporal terrível, um vendaval. A ilha começou a afundar. Resolvi voltar para a minha terra. Peguei o barco, corri riscos, naveguei e enfrentei o mar bravio com ondas assustadoras. Quando cheguei de volta, um dragão feroz havia tomado conta de minha casa. Enfrentei o dragão: peguei minha espada e lutei e venci. Ele fugiu gritando e depois acordei. Meu pai, então disse-me: “[…] as histórias são assim mesmo, verdadeiras ou inventadas, são assim…essa aí veio lá do oriente, de muito longe”.
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Alpha olhou pra mim e disse:
– Tá vendo, pequena amiga, “Há mesmo orelhas para enxergar e cílios para ouvir. Sim, tudo é possível quando falamos a língua dos anjos…Não fosse assim, como a poderíamos compreender histórias absurdas como esta…lagartixas, dragões…o tempo, menina, o tempo…por isto os avôs e avós é que sabem contar essas história; agora, eu também sei porque você um dia a ouviu de teu pai e me contou. Orelha é legal, não?…piração, Beatriz, piração, né?!”
E então a menina Bea e a estrela Alpha seguiram contando e ouvindo histórias pelas noites afora.
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Era inverno e a menina saiu para passear com o avô numa grande praça no centro da cidade. A graminha estava toda queimada pela geada e as árvores já estavam quase carecas pela queda das folhas. O vento soprava forte e não havia ninguém mais na rua. A certa altura, o avô parou próximo de alguns jovens carvalhos.
– Está notando alguma coisa estranha, querida? –perguntou o avô.
– Não sei… bem, acho que sim –respondeu ela insegura-, essas arvorezinhas ainda têm folhas. Estão todas sequinhas, mas as folhas ainda não caíram; estão lá!
– Certíssimo, garotinha! Os carvalhos nunca deixam cair todas as folhas durante o inverno. E sabe por quê?
A menina pensou, pensou e abanou a cabeça dizendo que não.
– Ouça – disse-lhe o avô.
Naquele instante, uma rajada de vento sacudiu os ramos e dos ramos saiu um barulhinho seco e leve. Parecia muito com o barulhinho do rabinho da cascavel que tinha visto na televisão.
– Ouviu? Esta é a voz do carvalho no inverno. Se não fossem as folhas secas, poderia ser facilmente confundido com a goiabeira ou com um eucalipto. Cada árvore tem a sua própria voz. Só é preciso aprender a ouvi-la.
A tarde chegou e o sol começou a se despedir do dia. Caminhando para a saída da praça, a menina não sentia mais nem o nariz nem os pés. “Brrruuuumm! Mas que frio!”, comentou. Apenas a mão que segurava firme a do avô ainda estava quente. De vez em quando um saco de plástico de supermercados rodopiava no ar como pipas enlouquecidas.
– Vovô –gritou Beatriz-, os sacos de plásticos também falam?
– Sim, os saquinhos, as latas, todo lixo que a gente produz…
– E as pedras?
– As pedras, os rios, os mares, as flores…
– E os carros?
– Víxi! Esses falam demais e muito alto. Para não falar dos ônibus, dos caminhões e dos tratores.
– E as roupas secando no varal?
– Sem dúvida alguma, meu amorzinho, sem dúvida… elas também falam. Se você prestar bem atenção nos lençóis balançando ao vento, na graminha verdinha que cobre o quintal, ah! Pode descobrir uma linguagem bem especial…um poema inteiro…
Naquela tarde, assim que retornaram para casa, a menina montou de cavalinho nas costas do ainda bem conservado avô e sussurrou bem baixinho em seu ouvido.
– Avô, você sabe mesmo de tudo!
O avô acariciou-lhe a cabeça com a mão direita e, com a esquerda, enxugou disfarçadamente uma pequena lágrima que desceu por seu rosto.
– Talvez, meu Anjinho… Talvez, minha pequena doidinha…Talvez!
Permaneceram assim, caminhando em silêncio, enquanto o sol se despedia de mais um dia lá no horizonte por detrás dos prédios da cidade.