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No palco

‘Hoje é Dia de Rock’ expõe medo do futuro e saudade de casa

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Autor/Imagem:
Leandro Nunes

Se o solo abaixo da América Latina pudesse ser escavado, as raízes da Macondo de 100 Anos de Solidão estariam interligadas ao interior mineiro de Hoje É Dia de Rock. A peça de José Vicente, que não nega a inspiração na obra de Gabriel García Márquez, ganha versão de Gabriel Villela em curta temporada no Sesc Avenida Paulista.

Apesar do título extrovertido, o público testemunha certa melancolia na vida de uma família de cinco filhos que precisa deixar o interior de Minas e vir a São Paulo, nos anos 1970. Com seus nomes trocados, cada personagem é inspirado na família de Vicente. E é nesse trânsito que as personagens revelam suas fragilidades e medos. “Existe esse embate entre a mitologia rural e a urbana, que empresta a aura de Macondo e o realismo fantástico de Márquez”, conta Villela.

O diretor buscou esse estado na encenação com as músicas que passeiam pela peça, como San Vicente, Um Gosto de Sol e Bola de Meia, Bola de Gude, de Milton Nascimento, marcas da “MPB mineira”, junto ao movimento que formou o Clube da Esquina, com o Trem Azul, de Lô Borges, também presente na peça. “Essa melancolia veio na boleia da caminhonete de Milton. Por mais herméticas que fossem algumas canções, ele falava dessa cidade imaginária e ideal, construída entre idas e vindas.”

Assim, o embalo dessa cantoria conduz os personagens na saudade de uma relação quase natural com o lugar em que vivem, mirando um futuro incerto na cidade grande. “Sair de Minas significa deixar a família, a fé e um estilo de vida com ligação quase mística com a natureza ao redor”, afirma o diretor.

Mas tantas mudanças não aconteciam apenas no eixo Minas-São Paulo. Maio de 68 uniu-se aos hormônios da juventude do mundo contra toda proibição, ao que o diretor injetou a energia de Beatles e Elvis Presley como espaço de sonho e emancipação da família de Vicente. “Uma das filhas vai se apaixonar por Elvis ao ouvi-lo no rádio, mas sabemos que essa paixão será vivida com o jovem mecânico do bairro, conta Villela. O destino da família recém-chegada à cidade será o de se desfazer, com cada um dos cinco filhos conquistando um novo caminho depois de abandonar tantas coisas.

Tal qual a família de Vicente, o espetáculo tomou jornada semelhante. Desde sua estreia no ano passado, em Curitiba, no projeto do Teatro de Comédia do Paraná, a peça já viajou com seus 13 atores e um músico por cerca de 10 cidades no Paraná e estreou na casa original do Teatro Ipanema.

Villela também anunciou que seu próximo projeto envolve uma adaptação de O Estado de Sítio, de Camus. A peça de 1948 relata uma peste – ou seria o totalitarismo? – que invade uma pequena cidade litorânea da Espanha, numa alegoria sobre o medo e a ação dos regimes ditatoriais. O diretor também se prepara para montar Henrique IV, de Shakespeare.

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