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Holanda cria um modelo de casas flutuantes para a era do aquecimento

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O aumento do nível do mar ameaça áreas costeiras em todo o mundo. Como na Holanda, onde engenheiros e arquitetos desenvolvem projetos pioneiros para permitir que a população viva com a água – em vez de combatê-la.

Com uma xícara de café na mão, Willem Blokker sobe dois lances de escada até o espaçoso terraço de sua casa. Ele se gira, deixa-se cair no confortável sofá e pergunta: “Entende agora por que, para nós, é como estar sempre de férias?”

O holandês de 52 anos vive numa das 43 casas flutuantes que formam um bairro aquático em Amsterdã, cuja construção foi concluída em 2011. O local é chamado Steigereiland (Ilha de Ancoradouros), pois suas moradias são posicionadas como navios num porto, dos dois lados de quatro longos ancoradouros.

Blokker está felicíssimo com seu pequeno reino flutuante de três andares e um amplo terraço, com área total de 160 metros quadrados – apesar de ter que fazer uma ou outra concessão.

Arquitetos e fabricantes asseguram que as waterwoningen (“casas aquáticas”, em holandês) não podem ser comparadas a barcos e que nunca oscilam. “Acredite quem quiser”, rebate o morador pioneiro. “Quando a tempestade é forte mesmo, a gente balança que é uma beleza. Mas acaba se acostumando. Não consigo imaginar uma casa mais bonita, me sinto como se estivesse em férias.”

Os alicerces das casas flutuantes são cubas de concreto preenchidas de isopor, consideradas insubmergíveis. Anéis presos a estacas asseguram que as casas permaneçam no devido lugar. As construções, porém, movimentam-se facilmente para cima e para baixo. “Esse é o grande truque”, aponta Floris Hund, do escritório de arquitetura Marlies Rohmer, que projetou a Steigereiland. “Dessa forma, elas se ajustam ao nível da água.”

As casas flutuantes são a resposta dos holandeses para o aumento do nível do mar e da precipitação pluvial, resultantes das mudanças climáticas. Já hoje, um terço do país se encontra abaixo ou exatamente no nível do mar. E este está subindo: nos próximos 100 anos, 1,30 metro; em 200 anos, até quatro metros. Essas são as previsões dos especialistas da Comissão Delta, do governo de Haia.

Um deles, Pavel Kabat, também pesquisador da Universidade Wageningen, acrescenta que existe ainda a ameaça das assim chamadas “enchentes de dentro”: devido à mudança climática global, os rios passam a transportar um volume maior de água. “Diques, apenas, não bastam, precisamos repensar tudo radicalmente. Devemos ver a água não mais como ameaça, mas como uma chance, um desafio”, propõe Kabat.

A nova estratégia chama-se “Leven met water”: não mais combater a água, mas conviver com ela. Seja no litoral, seja nas bacias dos rios, por todos os lados o antigo inimigo ganha espaço, com a inundação dos pôlderes, criação de bacias de coleta, reabertura dos canais aterrados. Os rios ganharão canais laterais em diversos pontos, seus leitos serão aprofundados, as áreas de vazão, ampliadas, os diques, recuados.

O rio Ijssel, braço do Reno, por exemplo, ganhará numa de suas curvas um bypass (desvio), assegurando que um grande volume de água possa ser drenado rapidamente. A cidade de Nijmegen, no sudoeste holandês, próxima à fronteira com a Alemanha, também tomou medidas. Lá se realiza o projeto “Nijmegen abraça o Waal”, explica Ingwer de Boer, diretor do programa nacional de prevenção a enchentes Ruimte voor de Rivier (Mais espaço para os rios).

“Nijmegen está próxima demais do rio Waal, que fica espremido como num gargalo.” Assim, está sendo criado um braço lateral para dar vazão à água; e entre o braço novo e o antigo, uma nova ilha, com casas, escritórios, lojas e muitas possibilidades de lazer. “A ilha já foi apelidada ‘Manhattan de Nijmegen'”, conta De Boer.

Ao todo, o programa de controle de enchentes inclui 39 projetos como o de Nijmegen. Com custo de 2,3 bilhões de euros, eles visam proteger 4 milhões de habitantes nas bacias dos rios Reno, Maas, Waal e Ijssel.

Devido a medidas como essa, contudo, sobram cada vez menos áreas residenciais para os holandeses, ao mesmo tempo em que as superfícies aquáticas aumentam, devido ao aquecimento global. Mas os engenheiros hidráulicos descobriram como matar dois coelhos com uma só cajadada: os pôlderes inundados e as bacias artificiais não servem apenas à drenagem controlada do excesso de água, mas podem também ser utilizados como terrenos de construção.

A notícia se espalhou e, vindas da Tailândia, Vietnã, Austrália ou dos Estados Unidos, delegações de especialistas chegam à Holanda à procura de orientação. Também cidades como Nova York ou Nova Orleans buscam a ajuda dos engenheiros hidráulicos holandeses, para se proteger das enchentes. O país se orgulha desse know-how que, literalmente, poderá salvar do dilúvio países insulares como as Maldivas, ameaçados de desaparecer devido à elevação do nível do mar.

Na Holanda, as residências aquáticas estão em plena moda, e os habitantes de várias partes do país trocam a terra pela água. Esse é o caso de um pôlder perto de Haia, onde se constrói o primeiro complexo residencial flutuante da Europa, De Citadel, com 60 apartamentos de luxo.

O projeto é de Koen Olthius, do escritório de arquitetura Wasserstudio.NL, especializado em moradias aquáticas. Ele transformou os alicerces das residências – a cuba insubmergível de concreto – numa plataforma que comporta vários apartamentos, com suas respectivas garagens, jardins e terraços.

“A cidade do futuro se compõe de plataformas flutuantes, que podem ser deslocadas de um lado para o outro, como placas de gelo”, prevê o arquiteto. “Essa nova forma de engenharia urbana, essa nova flexibilidade, é o desafio que se impõe aos arquitetos da geração do aquecimento global.”

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