Escrevi profissionalmente por longos anos. Hoje, ainda não é um hobby, mas escrevo com prazer sobre o que quero ou o que pedem. Nunca mais sobre o que mandam. Por isso, jamais atendi meu subconsciente que durante algum tempo exigia algo sobre mim. Desconheço as razões, mas faz tempo que meus demônios escondidos entre os neurônios que ainda funcionam cobram essa marmota. E o que dizer a meu respeito? Sempre parti do princípio de que quem tem mais ego do que personalidade também tem mais imagem do que essência. Na balança do coração, normalmente opto pela segunda hipótese. É da minha natureza perder pessoas com as minhas verdades. Em outras palavras, não costumo ganhá-las com mentiras mentirosas. Só as verdadeiras.
Fujo dos narcisistas. Eles nunca contam a história toda. Se limitam a narrar o que a você vai parecer ruim. Estratégia? Não! Apenas uma necessidade patológica. Por conta disso, nem nos piores surtos psicóticos imaginei narrando algo que, de bom ou ruim, produzi. Poderia usar uma série de terminologias populares para traduzir meu eu e meu nós. Talvez dissesse que, na adolescência, fui esquelético e beatlemaníaco. Mudei na juventude, quando assumi meu lado meio maquiavélico, meio psicodélico. Asseguro, porém, que, em ambos os períodos, não cheguei à fase do patético, tampouco à do escorregadélico. Não sei se vocês me entendem, mas passei batido do bordão entendido. De concreto, sem acesso a quase nada, sonhei em tudo que fiz. A utopia foi minha assídua companheira.
Também não frequentava igrejas. Daí reiterar que, por mais que tentasse, nunca comunguei. Minha tese era a do faroeste caboclo: ajoelhou tem de rezar e, caso rezasse, não abria mão da perseguida hóstia. Relembrando o tempo de Páscoa, só pedia uma gentileza: por favor, não apalpe os ovos. Eles eram muito tênues. Haviam saído há pouco do forno. O que sei é que, como brasileiro e carioca comuns, sensualidade não era o meu forte. O que vendia com alguma facilidade era a alegria. Às vezes, embutia batimentos fortes de emoção e grandeza quando fazia referências assimétricas e falsas ao todo poderoso astronauta, boi da cara preta ou simplesmente tico-tico.
Os nomes já eram variados, mas, por questões bíblicas, prefiro não aceitar apelidos feios e jocosos do tipo pirombeta, salgado ou bilau. Ele cresceu, mas é melhor mantê-lo infantilizado. Não ofendo e nem desagrado ninguém. Voltando à juventude, minha marca eram as escolhas muito particulares. Por exemplo, entre ficar preso no trânsito das marginais do Rio e tomar um banho de mar antes do trabalho, normalmente excluía a primeira opção. Era o que fundamentalmente me diferenciava – e me diferencia – do paulista. O lado ruim é que, como suburbano raiz, tive acesso à cultura prazerosa dos mais velhos muito tarde, embora desde cedo tenha começado a literalmente ter nas mãos Brigitte Bardot, Catherine Deneuve, Darlene Glória, Rita Cadilac e Vera Fischer, entre outras
Para que imaginem meu sofrimento de jovem desacessado, o mais vibrante filme pornô que assisti à época foi o Escudo Negro, uma película portuguesa, na qual Joaquim, José e Manoel se revezavam com Botaro, Tomaro e Seguraro nas performances pelados à frente da tela. Como sou do tempo em que os olhos ganhavam remela e as costas borrachada, era o que eu podia. Era o que permitiam. Anos depois me decepcionei com o perfil do Homem de Itu. Apesar da idade ainda pequena, tinha um Amuleto de Ogum bem maior. Da Boneca Cobiçada, Taras de Colegiais, Seis Mulheres de Adão, Seduzida por um Cavalo, Senta no Meu Que Eu Entro na Tua aos Sete Gatinhos escorreguei pela pornochanchada com muito brilho nos olhos e grossos calos nas mãos.
Depois da Quinta Dimensão do Sexo e do Fuk Fuk à Brasileira, só pulei a fita Amor Estranho Amor. Tô fora. Eita, dei mole. Virei, mexi e acabei falando de mim e nem percebi. Perdoem-me a rudeza da narrativa, mas sempre fui viciado em mentir. Cresci e jamais me achei uma águia ou um gavião, daqueles que pegam pinto no ar, mas meu Império do Sexo só existia na minha cabeça e solitariamente no banheiro externo. Hoje, quando tudo é analógico, é lógico que dá prazer lembrar dos efeitos da digitação diária a que era obrigado. Não tenho vocação para político, mas só dou a cara a tapa porque sei que meus contemporâneos também eram manetas. Não é que não tinham mãos. O problema é que é feio a referência aos que não têm punho. Para minha sorte – ou azar -, nos funks cariocas e paulistas tudo que idealizo como verdade é uma realidade. Eis a pureza de um homem que mente, mas não sabe mentir.