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Honestidade morre no Brasil que insiste no vale tudo por dinheiro

Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Saudosista? Eu? Jamais! Mas como esquecer a sonhada recepção que o falecido compositor mineiro Tavito preparou por anos a fio para receber os Beatles na Rua Ramalhete, no centro de Belo Horizonte. Impossível não lembrar que passei semanas em frente à TV tentando descobrir quem havia assassinado os ricaços e maldosos Salomão Ayala e Odete Roitman, personagens de ponta de duas novelas inesquecíveis: O Astro e Vale Tudo. Não me lembro quem os matou, mas estou certo de que o ator Dionísio Azevedo e a atriz Beatriz Segall marcaram época na televisão brasileira.

Só para registro, o folhetim Vale Tudo foi exibido em mais de 30 países, entre eles Portugal, Alemanha, Bélgica, Canadá, Itália, Espanha, Estados Unidos, Turquia, Polônia, Argentina, Chile, Peru e Venezuela pré-Nicolás Maduro. O tema abordado pela novela – “até que ponto vale a pena ser honesto no Brasil” – é atualíssimo e vale um capítulo a cada dia. Para escrevê-lo basta conhecer cada um dos 584 deputados e senadores. Valeu a pena o Vale Tudo, mas não esqueço dos tempos achados assistindo Perdidos no Espaço (65/68), Patrulheiro Rodoviário (68), Agente 86 (65/70), A Feiticeira (64/72), Terra de Gigantes (68/70), O Túnel do Tempo (68) e Os Waltons (72/81), do quase irmão John Boy.

Nesse tempo ainda não havia para mim Rita Lee. Só os Mutantes, aqueles que fizeram a trilha sonora do discurso de Caetano Veloso no célebre É proibido proibir. Foi ali, na seletiva paulista para o III Festival Internacional da Canção (FIC), que um dos criadores da não menos célebre Tropicália descobriu que o artista que é aplaudido é um emerdalhado sem causa e sem história. Pelo menos em uma ocasião, o artista que se preza tem de ser vaiado. Os mais velhos certamente não esquecerão jamais do compositor Sérgio Ricardo, morto em julho de 2020. Em 1967, durante o III Festival da Canção da Record, ele protagonizou outro célebre episódio musical.

Motivado pelo som das vaias que o impedia de cantar Beto Bom de Bola, Sérgio Ricardo quebrou o violão no palco e o lançou sobre a plateia. Acabou eliminado após o incidente, mas inspirou o falecido jornalista carioca Amado Ribeiro a produzir um dos títulos mais autoexplicativos que já li: “Violada no auditório”. Por uma dessas obras do destino, mais tarde me fiz amigo de Amado, autor de outras chamadas ainda mais brilhantes. Um dia as enumerarei, desde que seja estimulado pela verve efervescentemente jornalística do parceiro José Seabra, companheiro de ontem, de hoje e de sempre.

Para os padrões daquela época, o hábito da leitura, a perspicácia e um pouquinho de atenção aos acontecimentos do Brasil e do mundo poderiam significar sabedoria ímpar. Foram anos de ouro, de pureza e de irresponsabilidade. De triste lembrança só os anos de chumbo. Entre outras coisas, apaguei da lembrança as fugas das incertas noturnas do camburão da Polícia do Exército. Apesar de menor de idade, eu fugia porque trabalhava informalmente e não tinha carteira de trabalho assinada. Para os meganhas da repressão, mesmo na esquina de casa, perambular à noite era sinônimo de vadiagem. Eles não sabiam o que diziam. E deles lembrarei até deixar de viver.

Geraldo Vandré, Tim Maia, Vinícius de Moraes, Tom Jobim, Nara Leão, Rita Lee, Elis Regina, Erasmo Carlos, Wally Salomão, Raul Seixas, Belchior, Pelé, Ayrton Senna e o Maracanã com 200 mil pessoas são inesquecíveis. Mas como esquecer do Rio de Janeiro, especialmente de Campo Grande, Bangu e de Realengo, os bairros de berço e de adoção. Não volto, mas não os deixo. Neles aprendi que bola, flor e mulher têm de ser tratadas com carinho e muito amor. É por isso que hoje, no segundo século de vida, faço tudo com amor, inclusive o amor. Parafraseando o mito Dadá Maravilha, sou a solucionática de qualquer problemática. Eis porque, saudosismo à parte, se um dia minha estrela não brilhar, vou lá e a engraxo novamente. Sou saudosista porque estou vivo.

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*Armando Cardoso é presidente do Conselho Editorial de Notibras

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