Paraíba
Honorato acaba com superstição de café ruim
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emDiante do fogão, Honorato apreciava o momento em que as primeiras bolhas se formavam no fundo da chaleira. Era o instante exato para desligar o fogo e derramar a água em suaves movimentos circulares sobre o pó de café depositado no coador de pano. Ensinamentos da sua falecida avó, que o homem, hoje tão velho como a saudosa parenta, havia aprendido quando menino.
Preparar o café, além de ato inicial de todas as manhãs, era o que prenunciava se aquele seria ou não um bom dia. É verdade que, de tão calejadas eram aquelas mãos enrugadas, quase sempre a bebida saía a contento. Não obstante, e a despeito do pó sempre de elevada qualidade, quando era para dar ruim, ficava pior do que café de beira de estrada. Em tais ocasiões, aliás, Honorato fazia de tudo para não colocar os pés para fora do apartamento, mesmo que a bela praia de Cabo Branco, na encantadora João Pessoa, o convidasse para um passeio.
Honorato se serviu e foi até a varanda do seu apartamento olhar o mar. O tempo estava agradável, e as parcas nuvens anunciavam que uma caminhada era bem-vinda. Pensou em pegar dinheiro para uma água de coco, mas, ao provar o café, quase o cuspiu. Que porcaria!
O sujeito sabia que não era de bom alvitre colocar a fuça para além da porta. E, para não correr risco de que algo o obrigasse a sair de casa, tratou de desligar o telefone, o interfone e a campainha. Passaria o dia inteiro lendo. No final, até gostou da ideia, pois precisava colocar a leitura em dia, ainda mais porque havia ganhado o livro “A verdade nos seres”, cujo autor era um tal Daniel Marchi, que caíra no gosto da filha.
Honorato jogou fora o resto do café. Não era mesmo dia dessa iguaria, ainda mais porque a bebida não lhe saíra a contento. Não mesmo! Espremeu algumas laranjas, despejou em generoso copo e foi ler na varanda.
A cada poema lido, o homem degustava por um tempo aquelas palavras até que, no momento seguinte, atrevia-se a ler o próximo. Tudo ia bem, até que chegou à página 59, onde se deparou com “Amor de sábado”. Não que os versos fossem ruins, pelo contrário. Eram magníficos e, por isso mesmo, o transportaram para um breve flerte ocorrido há poucos dias no elevador.
Trocaram telefones, mas, até aquele momento, ninguém havia feito contato, nem mesmo um “Oi!” por mensagem. Honorato, que quase nunca poderia ser chamado de inconsequente, sentiu-se propenso a agir como tal. E foi o que fez. Mandou uma mensagem via WhatsApp.
— Oi!
— Oi!
— Tudo bem?
— Tudo. E com você?
— Tudo bem também.
— Pensei que você tivesse perdido meu número ou, então, algo pior.
— Como assim?
— Oxente, tivesse me achado atrevida.
— Gostei muito!
— Hum…
A conversa se prolongou por mais algumas frases, até que Adélia, era esse o nome da viúva do terceiro andar, fez o convite fatal. Sem ter para onde correr, Honorato agiu como um irresponsável. Jogou para o alto todas as superstições e foi para o apartamento da mulher. Desde então, ele aprendeu que o café pode ser até ruim, mas a vida, vez ou outra, é doce.
*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
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