Mas um par de pernas...
Honório e Hilário, os irmãos sovinas do Recanto
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emHonório era homem de negócios, vivia atribulado, pois não conseguia deixar de pensar no que seria o próximo dia, já que a situação do país, como de costume, não andava promissora. Seu irmão, Hilário, apesar de toda austeridade quase idêntica, parecia levar uma vida pouco mais suave. Tal suavidade, no entanto, parecia, de certa maneira, total desregramento aos olhos do Honório.
Enquanto o Honório contava os centavos, apenas as somas pouco mais significativas pareciam interessar a Hilário. Não que este fosse pródigo, mas tentava olhar o mundo como algo onde também existissem momentos para certa luxúria, como, por exemplo, enamorar-se por um belo par de pernas de vez em quando, lá para os lados do Recanto das Emas.
E, apesar dessa ínfima desavença, os dois se davam muito bem, desde que os lucros auferidos no mês vigente fossem maiores que os do anterior.
Certo dia, lá estava o Hilário conferindo os ganhos do dia. As cédulas eram colocadas de um lado, as moedas, que já não eram tantas, permaneciam espalhadas do outro. Tudo dentro dos conformes, como diriam alguns, até que o Honório, todo ressabiado, chegou.
– O que você está fazendo com o nosso dinheiro?
– Ué, estou contando.
– Hum…
– O que deu em você? Não confia em mim?
– Hilário, meu irmão, confio apenas nos meus dentes e, mesmo assim, eles me mordem a língua.