Hermano Leitão
Não é de hoje que o brasileiro olha com desconfiança e profunda irritação os julgamentos do Supremo Tribunal Federal – STF, sobretudo quando a matéria em pauta envolve políticos criminosos. Essa percepção de proteção a parlamentares com prerrogativa de Foro não é sem motivo, a lembrar que, para grande parte do mundo jurídico, no julgamento da ação penal 470 (Mensalão), a admissibilidade, em 2013, dos Embargos Infringentes que redundaram em diminuição das penas de petistas, ficou entalada no lobo límbico de broca coletivo. A saber:
1 – José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil. Condenado a 10 anos e 10 meses e multa de R$ 676 mil por corrupção ativa e formação de quadrilha. Apresentou embargos infringentes no crime de quadrilha. Excluído esse crime, a pena diminui para 7 anos e 11 meses.
2 – Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT. Condenado a 8 anos e 11 meses e multa de R$ 325 mil por corrupção ativa e formação de quadrilha. Depois dos embargos infringentes no crime de quadrilha, a pena diminui para 6 anos e 8 meses.
3 – José Genoino, ex-presidente do PT. Condenado a 6 anos e 11 meses e multa de R$ 468 mil por corrupção ativa e formação de quadrilha. Depois dos embargos infringentes no crime de quadrilha, a pena diminui para 4 anos e 8 meses, mas cumprido como aberto.) ficou entalada no lobo límbico de broca coletivo.
Por causa desses Embargos, a quadrilha continua a agir sob as togas superiores, e ainda conta com indultos imorais e aviltantes sob a pena da Presidente, como no caso de Delcídio, mais uma vez emparedado na 27ª fase da operação da Lava Jato.
Dois julgamentos, pois, serão colocados na pauta do STF na próxima semana.
O primeiro é o caso da suspensão da posse do ex-presidente Lula no cargo de ministro-chefe da Casa Civil – que é a contumaz casa de chefe de quadrilha. Sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes, que concedeu a liminar suspensiva, os ministros votarão se Lula assume ou se some do foro privilegiado.
Essa decisão do Supremo Tribunal Federal assentará o consenso de que houve uma articulação para obstruir a Justiça, mediante artifício político e desvio de finalidade no ato de nomeação para o cargo, ampla e ventiladamente noticiada aos quatro cantos do mundo, como se ouve nas conversas interceptadas entre Lula, Dilma, Jaques Wagner, Rui Falcão, Eduardo Cardozo e outros. Ou o STF aumentará o nível de extrema irritação da maioria dos brasileiros, se optar por filigranas jurídicas em alegada autonomia da chefe do Executivo em nomear o ministro que lhe convier, a despeito de toda a trama contra a própria Justiça e flagrante de conversa da Corte dos acovardados.
O outro caso (Reclamação 23.457) está sob o juízo de Teori Zavaski, ministro-relator da Lava Jato no STF, que versará sobre todas as investigações dos crimes (ocultação de patrimônio, obstrução à Justiça, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha) praticados por Luiz Inácio Lula da Silva, que foram remetidos pelo Juiz Sérgio Moro, em razão da interceptação de conversas de Lula com autoridades com prerrogativa de Foro. Quando for julgar o mérito da Reclamação, o Supremo decidirá se mantém a investigação contra Lula no STF ou se a devolve para a 13ª Vara Federal do Paraná.
Nesse caso, a contrariedade ao entendimento público tem natureza mais qualificada, porque muitos advogam a prevalência do interesse público na divulgação da prova de crime revelada nas intercepções telefônicas, dado o contexto de toda a operação Lava Jato. De fato, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados, mediante protocolo de pedido de impeachment da presidente com inclusão de fatos da delação de Delcídio do Amaral; membros do Ministério Público que compõem a força-tarefa da Lava Jato, por meio de manifesto sobre a legalidade das interceptações telefônicas; representantes da Ajufe – Associação dos Juízes Federais do Brasil, em nota pública de ratificação das ações judiciais; e magistrados em todo país, por meio de manifestações divulgadas na imprensa, empenharam apoio ao juiz Sergio Moro na condução livre e independente na Lava Jato. Assim, diante da comunidade jurídica do país, o Supremo, decidirá como chefe da Justiça constitucional ou em prol do chefe da quadrilha petista.
Na realidade, o que está em questão é a gravidade da crise de confiança que assola o Brasil, em razão de o país estar sob o comando de uma organização criminosa a que o próprio Supremo, em manifestação do ministro Gilmar Mendes, denominou de cleptocracia – governo de ladrões. Por causa da corrupção endêmica e sistemática nos órgãos do Estado brasileiro, colhem-se os piores índices de inflação, desemprego, dívida pública, juros, inadimplência e descrédito de uma governante irresponsável, criminosa e incompetente.
Nesse cenário, a desconfiança no Supremo repousa na dúvida se julgará esses casos a pender para a proteção da intimidade da presidente Dilma Rousseff, flagrada em serendipidade, ou para a proteção do Estado de Direito ameaçado por um crime de lesa pátria (Art. 1º, II, da Lei 8.170/83) cometido por Lula e Dilma.
Parece ser intransponível, por exemplo, escornear o fato irrefutável de Dilma, ao discutir em público o “grampo”, ter reconhecido o diálogo entre ela e Lula – que significa uma confissão (regina probationum, probatio probatissima), pois não existe maior prova do que a confissão pela própria boca –, para obstruir a Justiça mediante termo de posse “salvo conduto” na eventual mandado de prisão de Lula por ordem da 13ª Vara Federal de Curitiba, tampouco ignorar igual obstrução promovida por Delcídio do Amaral, Rui Falcão, Jaques Wagner e outros.
Por fim, por que os brasileiros podem ficar muito zangados com o STF? Porque a tempestade perfeita não aparece com poucas nuvens pretas em poucas horas. Desde 2013, as manifestações do povo nas ruas mostram uma coisa em comum: raiva. No caso de uma raiva social, isso significa a dor de injustiças. Em 2014, Dilma deu um paliativo para aliviar a dor. Era a mentira ilusória do estado das coisas pintadas de cor de rosa. E tudo ficou pior. Então, o Supremo não tem apenas dois julgamentos à frente em suas pautas. Tem nas mãos o que pode ser pior que a mentira tempestuosa: a dor da desilusão na Justiça que ouse tergiversar sobre a magnitude dos crimes cometidos pela organização criminosa do Partido dos Trabalhadores.