“Quase todos os homens são capazes de superar a adversidade, mas, se quiser por à prova o caráter de um homem, dê-lhe poder”. Dita por Abraham Lincoln ainda no século 19, a frase permanece atualíssima e hoje pode ser aplicada a um batalhão de figuras que vivem mascaradas, mas adoram julgar o comportamento dos outros. O novo presidente da Câmara, deputado Hugo Motta, é uma dessas sumidades que, ao mesmo tempo, jogam para a plateia supostamente se associando ao Diabo, mas, nos bastidores, fecham com seus camaradas de ideologia, amando ao Deus que guarda no coldre e no coração.
Por ter sido clara, objetiva e sem subterfúgios, a posição de Motta em defesa da barbárie não é nenhuma metáfora. Com cara de menino criado com avó até os 21 anos, o deputado disse ao que veio antes mesmo da primeira curva. Sua máscara de Clóvis ou de Coringa caiu faltando quase um mês para o Carnaval. Para completar sua simpatia aos atos de vandalismo de 8 de janeiro de 2023 só falta o parlamentar do tipo bom moço mandar confeccionar dois bonés personalizados. Um teria o novo slogan do bolsonarismo: “O 8 de janeiro não foi golpe”. O outro poderia ser “Jair, eu te amo”.
É claro que o cidadão Hugo Motta tem o direito de apoiar e defender quem ele quiser. O problema é o Hugo Motta presidente da Câmara, o terceiro na hierarquia de comando do país. Ao negar que houve coordenação política e objetivos golpistas na depredação das sedes dos Três Poderes, talvez Hugo Motta tenha se lembrado dos tempos em que atuava como juiz nas peladas nas praias de João Pessoa, nas quais só eram expulsos os bandeirinhas que anulavam os gols em impedimento que normalmente ele validava.
Ao que parece, para Motta o quebra-quebra dos prédios do Supremo Tribunal, da Presidência da República e do próprio Congresso não passou de uma brincadeira de meninos do Maternal I ou, numa hipótese, mais carnavalesca, de um ato de reverência à democracia. Como na parábola do joio e do trigo, no dia da tentativa do golpe, certamente o presidente da Câmara estava de óculos escuros e, portanto, não viu o que o mundo inteiro viu. Ou seja, recolheu e queimou o joio e guardou o trigo no celeiro. É sempre assim. Só não enxerga o malfeito quem não quer.
Máscaras e cegueira à parte, o posicionamento antecipado de Hugo Motta acerca do tema denota sua intenção em fazer de tudo para alterar o cenário político desenhado para 2026. Em outras palavras, apesar dos sorrisos bajuladores na direção de Luiz Inácio, seu sonho dourado é idêntico ao de dez entre dez bolsonaristas, entre eles os senhores do engenho, digo do agronegócio, para os quais a medida certa é deixar o governo sem lenço e sem documento, isto é, abaixo da linha permitida para a fome. Vale registrar que a qualquer homem público não basta agradar a uma corrente política em detrimento da outra.
Se quiser passar para a história precisa pensar no macro, também conhecido por Brasil. Embora Hugo Motta tenha sido escolhido pelo eleitorado da Paraíba, a função de um deputado federal é legislar em nome de toda a população brasileira. Caso ele não saiba, é imperioso que alguém o informe que num país com metade bolsonarista e metade lulista o melhor é seguir a recomendação do antigo rei da Espanha, Juan Carlos I: “Por qué no te callas”. Como hoje os políticos elegem o povo para representá-los, é natural que haja homens públicos e homens públicos. Os piores são aqueles que pregam a moderação, mas vendem a polarização. Esses não percebem que não haveria jogo caso o tabuleiro de xadrez só tivesse as peças brancas.
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*Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras