Acordo neste domingo em minha casa mineira, aonde eu vim para escapar um pouco do calor carioca. Ao menos por um par de dias após enfrentar uma semana para lá de complicada.
Desci ao bairro vizinho em busca de um café da manhã de padaria, daqueles em que a gente senta numa mesinha sossegado e vai pensando na vida enquanto come um misto e degusta um pingado, com mais café do que leite. Depois, fuma um cigarro. Atividade a que dispenso, pois andei brincando de fumar uns cachimbos e uns charutos, mas parei há tempos. Nunca gostei de cigarros.
Ia ouvindo as conversas aleatórias.
Bem perto da dona do estabelecimento, que cuidava do caixa, uma senhora, certamente habitual freguesa, contava assuntos do filho na escola, que apanhara de um coleguinha. Fiquei imaginando que o fato devia ter marcado profundamente a senhora, pois era domingo e a distância dos sucessos da semana ainda não haviam apagado sua relevância e vontade de desabafar.
– Eu reclamei para a diretora, ela disse, e de nada adiantou. Da próxima vez disse que meu filho deve revidar. Bater mesmo. Se ninguém faz nada, tem que bater.
Ali fiquei pensando sobre como educamos nossos pequeninos, que nada sabem, na base da terceirização da violência. E vamos propagando o “tem que bater”.
Próximo, vejo dois engravatados passando numa motocicleta. Estacionam. São fiéis de uma igreja protestante vizinha e chegam para o culto dominical.
Dou-me conta que hoje seria aniversário de cinquenta anos da mulher que levei ao altar e, há alguns anos, desincompatibilizou-se com esta existência. Universalizou-se, por assim dizer, e hoje habita versos, notas musicais e pensamentos. Em certa medida, jamais esteve tão presente no mundo.
Lembro que sonhei com ela de madrugada. Vi-a num porto antigo, de longe. Era, certamente, em Salvador. Eu nunca fui à capital da Bahia. Mas consigo reconhecer pelas fotografias que vejo, pela novela do Bem Amado que acompanhei.
Eu, de longe, apreciava-a, enquanto ela andava serenamente, com uma expressão curiosa, olhando as coisas ao seu redor. No sonho, sabia de sua condição de não mais habitante deste mundo e pensava se devia ou não me aproximar. Não me aproximei, e ela se afastou até desaparecer entre indistintas criaturas humanas.
Daqui a pouco, saio do idílio e retorno ao Rio de Janeiro com seus quarenta e tantos graus à sombra. Descansado e pronto para mais uma semana. Vou deixar aqui, na casa acolhedora, secreta e cúmplice de Minas, as portas abertas para os sonhos e a inspiração.
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Daniel Marchi é autor de A Verdade nos Seres, livro de poemas que pode ser adquirido diretamente através do e-mail danielmarchiadv@gmail.com
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