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Idiotas de 2018 deixarão de ser os bestas de 2022

Importantes ferramentas de nossa comunicação, as palavras têm grande poder, sendo capazes de motivar, levantar, emocionar, aproximar, decepcionar, magoar, assustar e derrubar. Dependendo do que e de como falamos, podemos agradar ou desagradar quem nos ouve. Por isso, devemos levar em consideração o poder das palavras. É importante cuidar o modo como se fala, pois quem ouve jamais apaga o que lhe foi dito. É como apanhar. Por uma questão lógica, quem bate normalmente faz questão de olvidar. Quem recebe o castigo, o tapa ou mesmo a injúria jamais esquece o nome, a fisionomia, muito menos a voz de seu algoz. É o meu caso e, acredito, que o de milhões de brasileiros alcançados pela frase estúpida, pateta, tola e ignorante do presidente da República. Quer dizer que somos idiotas apenas porque resolvemos seguir determinações da ciência?

A insistência em ouvi-lo talvez tenha realmente nos transformado em idiotas. Melhor assim, pois comprova que não fomos idiotizados por um líder obtuso e absolutamente desprovido de bom senso. Aliás, é o que falta para a maioria das pessoas ligadas ao ocupante do Palácio do Planalto, sejam elas fidalgos ou plebeus. Não são somente palavras. O Brasil e a política nacional foram sacudidos semana passada com a lembrança de falares que pareciam enterradas no sarcófago presidencial, à medida que foram pronunciadas por pessoas do atual séquito de poder. Como reflexo do que se pensa e se deseja, os vocábulos, locuções, expressões ou termos são jogados ao vento e passam a ter a força de uma sentença. O deputado federal Eduardo Bolsonaro e o ministro Onix Lorenzoni, ambos da cozinha de Bolsonaro, não tiveram qualquer pudor ao rotular de medrosas e fracas duas personagens que, em passado recente, optaram pelo silêncio judicial durante comissões parlamentares de inquérito.

A revolta do filho “03” ocorreu em abril de 2016, quando a Câmara investigava a atuação da Fundação Nacional do Índio. De posse de uma habeas corpus, Aristides Veras dos Santos se calou. Veras era secretário de Finanças da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e, por conta do silêncio, mereceu adjetivos de covarde e vagabundo. Também defensor entusiasmado da obrigação moral do convocado falar em CPI, o chefe da Secretaria-Geral da Presidência, ministro Onix Lorenzoni, também foi apanhado na escuridão do porão palaciano. Em 2015, ainda deputado federal, afirmou que a opção por ficar calado em uma comissão é uma reafirmação pública de culpa. Além disso, chamou de “bandido” quem recorre à Justiça em busca do expediente do silêncio em CPIs. À época, a crítica tinha nome e sobrenome: Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras, que acabou condenado pela Lava Jato.

E agora, José? Como explicar que, com aval de Jair Messias Bolsonaro, a Advocacia Geral da União (AGU) conseguiu “meia blindagem” para o ex-ministro Eduardo Pazuello por meio da mesma ferramenta duramente criticada por “03” e por Lorenzoni? Claro que não se trata de um simples esquecimento. São dois pesos e duas medidas. O que vale para a ralé não serve para os lordes. A conduta é exatamente a mesma, embora os interesses sejam totalmente diferentes. Lá atrás, as intenções eram comuns àqueles que se opunham ao governo de então: acusar e condenar. Hoje, o desejo é evitar que Pazuello acuse Bolsonaro. Simples assim. Considerando a perspicácia dos senadores e a verve de estrategista do ex-titular da Saúde, não será nenhuma surpresa se o general (fardado ou não) fazer valer o que disse recentemente ao chefe (manda quem pode) e deitar falação na CPI da Covid. Isto porque ele está sob proteção judicial apenas para não produzir provas contra si. Ou seja, estará liberado para responder questionamentos a respeito de segundos, terceiros e quartos.

Independente do comportamento de Eduardo Pazuello, como é bom lembrar do velho e inesquecível ditado: “Nada como um dia atrás do outro”. Às vezes, melhor ainda é a noite dividindo os dias. É ela que leva o ser humano a refletir sobre as besteiras que produz sem imaginar e sem atentar para o amanhã, que a Deus pertence. E, nesse episódio, a reflexão obrigatória é a seguinte: o posicionamento de “03” e de Onix Lorenzoni foi fato ou fake? Na época, ambos já sabiam que Bolsonaro seria candidato à Presidência. Então, nada melhor do que aproveitar a oportunidade para gerar desgaste em pessoas ligadas ao governo com o qual iriam disputar o poder. Não devemos comparar as críticas e os adjetivos nos plenários das comissões como mentiras, principalmente porque, após a primeira inverdade, toda verdade vira uma dúvida. Prefiro creditar os desaforos a lampejos de franqueza e de astúcia de ambos. Pode ser.

Entretanto, há quem diga que sinceridade demais machuca e, via de regra, se transforma em sincericídio. Pelo sim pelo não, tanto Eduardo Bolsonaro quanto Lorenzoni se calaram depois da divulgação de suas divagações. O temor do Planalto com o depoimento do general é natural. Dos quatro ministros que comandaram a Saúde, foi o que ficou mais tempo no cargo. Ele estava ministro quando a Pfizer fez uma oferta de 70 milhões de doses de imunizantes ao Brasil e quando a pasta protagonizou uma campanha nas redes sociais em defesa do chamado tratamento precoce. Se ele falar, certamente dará respostas sobre o pouco caso do governo com a pandemia. Se ficar calado, talvez não seja rotulado como foram Aristides Veras e Nestor Cerveró, porque os senadores preferirão a educação. Todavia, será um silêncio tão ensurdecedor que parlamentares, magistrados, Ministério Público, OAB e sociedade civil o ouvirão sem necessidade de fones de ouvido. E a todos caberá a mesma pergunta: Por que se cala se nada teme? Na sequência virá a sentença: Quem cala consente. Em síntese, melhor o estereótipo de idiota do que o de estulto com a peçonha de aluado. Somos idiotas, mas não bestas. Nos veremos em 2022.

*Mathuzalém Júnior é jornalista desde 1978

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