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Lições de incivilidade

Ignorância de povo pai d’égua mantém Brasil no submundo da sociedade

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Júnior - Foto Reprodução/HQ de Zeferino

No Brasil de hoje, o discurso dos seres capacitados intelectual e financeiramente normalmente começa com o termo incluir. É só o discurso barato. Na prática, eles sonham defendendo a coletividade, mas dormem e acordam praticando a seletividade e a individualidade. É assim nas ruas, nas repartições, nos hospitais e, principalmente, no Congresso Nacional, cantado em verso e prosa como a casa do povo. Nas caminhadas matinais ou vespertinas, poucos são aqueles que se interessam por responder a um bom dia ou a uma boa tarde. Se escondem atrás de óculos escuros, debaixo de bonés e, com potentes fones de ouvido, fingem nada ouvir. É a teoria cada vez mais distante da prática.

São essas as pessoas que, durante eleições, pregações religiosas, encontros de casais ou reuniões de condomínio, cobram efusivamente do Poder Público a inclusão dos pobres, famintos e abandonados. Sem o menor senso de sociedade, tiram a máscara ao deixar o recinto e, ao primeiro contato com um desses miseráveis, agem como inconsequentes e sem o mínimo de respeito pelo semelhante. Publicamente dão lição de moral e de civilidade, mas são incapazes de reconhecer de que interpretam equivocadamente a realidade. Chamá-los de energúmenos seria sacanear os possuídos.

Certa feita ouvi de um pensador que o esforço que fazemos em prol do bem comum é o que propicia a realização das conquistas maiores e nos engrandece como seres humanos. Lindo de escrever e melhor ainda de ler ou ouvir. Difícil é praticar. Inspiração coletiva não se compra, não se estuda e não se toma emprestada. Ela surge sem horário ou ocasião pré-estabelecida. No Brasil de hoje, no qual o desrespeito começa com as lições de democracia, há grupos que se esmeram e vibram com a própria imbecilidade. Como dizem no Nordeste, é a ignorância pai d’égua. E eles seres abjetos estão por toda parte do mundo.

Semana passada, nos Estados Unidos, um bando de “patriotas” resolveu boicotar o filme Guerra Civil, estrelado pelo ator baiano Wagner Moura. Compraram ingressos e, como animais, deixaram a sessão na metade. Embora a produção seja norte-americana, Wagner Moura tem posicionamentos políticos diferentes das praticadas pelos boçais bolsonaristas de lá e de cá. Eis a razão principal do boicote, associada a uma avalanche de críticas ao fascismo. Tudo indica que os defensores do negacionismo e da barbárie vestiram a carapuça. Na verdade, criticam o que não sabem fazer. Na cabeça deles, o filme da vida é o 8 de janeiro de 2023.

Não tenho motivos para generalizar, mas lembro que se trata de mais um desvio de conduta os mais radicais se acharem perseguidos, ignorados e chateados quando são rotulados de mentecaptos idiotizados por um mito egocêntrico e esquizofrênico, ainda que em níveis tratáveis. Só para ilustrar, a película está bombando e dominando as bilheterias do Brasil e dos Estados Unidos. Ou seja, Wagner Moura, a produção do filme e os contrários à antipatia dos débeis mentais deram um sonoro caguei para Bolsonaro e sua trupe. É natural que o sucesso incomode os periféricos e os que estão sem palco.

Também é normal que o chororô assuma posição de destaque na vida dos incapacitados para vivê-la. Independentemente de minha aversão aos extremos, gostaria que nossa utopia política fosse respeitada pelos antagônicos. Quem eleger e como eleger são indagações pontuais e que precisam ser feitas conforme o momento. Como em um jogo de futebol, a norma é que se escale o melhor. O ideal é que, um dia, o rumo político seja baseado no bem para todos, particularmente a que precisa ser incluída. O que vai mudar no país se continuarmos fingindo que não escutamos o vizinho pedir ajuda ou boicotando um filme estrelado por um brasileiro? Nada, a não ser mostrar ao mundo o quanto ainda somos pequenos para nos imaginarmos grandes.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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