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Os argentinos

Ilustre Cidadão, mesmo sem Oscar, é um filme a ser visto

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Luiz Carlos Merten

Em outubro passado, quando Gastón Duprat veio mostrar seu filme no encerramento do Festival do Rio, O Ilustre Cidadão já estava aureolado pelo prêmio de melhor ator – a Taça Volpi – que Oscar Martinez recebeu no Festival de Veneza. Depois vieram o Goya, a acolhida de público e crítica na Argentina – foi a maior bilheteria do ano no país -, a indicação para levar adiante a candidatura no Oscar, mas o filme não levou. Mesmo assim, é um belo êxito, e um belo filme.

Muitos espectadores, principalmente a classe média urbana, lamenta que o cinema brasileiro não se assemelhe mais ao argentino. Desde o Cinema Novo, nos anos 1960, cada cinematografia seguiu sua rota. Estética da fome, violência no Brasil. Na Argentina, histórias de família, pequenos dramas humanos, o horror da ditadura.

Os filmes brasileiros talvez ousem mais – ousam. Os argentinos parecem mais bem feitos, bem contados, interpretados. O Cidadão Ilustre é sobre esse escritor argentino, vencedor do Nobel, que volta para casa, na província, para reencontrar o passado. Sua literatura alimenta-se de suas experiências e ele, de certa forma, faz nos livros o que não deixa de ser uma caricatura da humanidade, concentrada, ou expressa, na população de Salas, o ‘pueblo’, o que produz ressentimentos.

No Rio, o codiretor Duprat – parceiro de Mariano Cohn -, admitiu que O Cidadão Ilustre já nasceu com o objetivo de colocar o ‘kirchnerismo’ no espelho. “Nunca, antes, nos atrevemos a colocar esse período de forma crítica, na espelho. O cinema argentino falou muito sobre a ditadura, mas é importante mudar o foco e abordar essas coisas pequenas que não questionamos muito. A cultura, a violência, o peronismo. No fundo, é sobre isso que trata O Cidadão Ilustre.”

Numa breve entrevista à reportagem, Duprat disse – “Não somos estreantes e quem conhece nosso trabalho (NR – De filmes como O Artista e O Homem ao Lado), sabe que nunca foi nosso ideal entregar os filmes prontos para o público. Sabe? Aquela coisa cômoda, a história com começo, meio e conclusão? É muito mais interessante e desafiador criar com o público, levar o espectador a participar de uma maneira mais ativa.” Na trama, Daniel Mantovani recebeu, de cara, o Nobel de Literatura. Ele vive exilado na Espanha (Barcelona), mas recebe o convite para voltar a Salas, no interior da Argentina, onde nasceu, para receber uma homenagem. Surpreendentemente, até para ele, aceita. “O filme não é somente sobre nossa mesquinharia. Nós (argentinos), também podemos ser generosos, apaixonados. Era importante que o filme não fizesse um só recorte.”

É o terceiro longa dos diretores e, como os anteriores, foi subsidiado. “O problema não é receber dinheiro para filmar. Em nossos países, a atividade cinematográfica não é autossustentável. O problema seria se adequar às regras, fazendo filmes para o mercado. Mas o artista tem de permanecer incômodo. É sua função social.”

Em janeiro, coincidência ou não, o repórter esteve na Argentina e assistiu, na televisão a uma entrevista de Duprat e Cohn. Comentavam algo que, desde o primeiro momento, parecia evidente. O Cidadão Ilustre é o tipo de filme que parece que comporta uma versão em língua inglesa. Essa história de um escritor ‘nobelizado’ possui, certamente, ressonâncias universais. E já existe o precedente de O Segredo de Seus Olhos, o thriller vencedor do Oscar de Juan José Campanella, com o grande Ricardo Darín, que virou draminha (um tanto anódino) com Julia Roberts, Olhos da Justiça.

Os diretores não negaram o interesse de produtores internacionais. “Se algum dia o filme em língua inglesa for realizado, gostaríamos muito que o ator fosse Gary Oldman ou Jeremy Irons. E não que não tenhamos ficado satisfeitos com Oscar (Martinez). Ele superou nossa expectativa. Todo o nosso elenco é muito bom, Oscar foi maravilhoso, mas Jeremy ou Gary trariam uma contribuição importante para o papel.”

A Argentina teve um grande escritor cosmopolita – Jorge Luís Borges – que não logrou, como gostaria, o Nobel. Um provinciano, mesmo universal, como Mantovani, chega lá na ficção. Ironia…? “Si usted quiere…”, Se você quiser. E como veio a inspiração para Salas? “Não queríamos um lugar concreto real. Somamos características de várias locações possíveis. Foi a melhor maneira de retratar o todo sem pesar a mão com nenhuma parte, apenas.”

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